quarta-feira, 30 de julho de 2014

Rainer Maria Rilke



















Um deus o pode. Mas, da lira ao solo,
há de o homem consegui-lo? À dissensão
tendemos, e não há Templo de Apolo
no enredar dos ramais do coração.

O canto, como o queres, não são teus
desejos, nem a busca do atingível.
Cantar é ser. Tão fácil para o Deus!
Mas, quando o somos? E Ele, quando ao nível

de nosso olhar o céu e a terra esplende?
Jovem, no amor ainda não és, conquanto
a palavra te suba ao lábio. Aprende

a esquecer que cantaste. É sem alento.
Uma outra coisa é o verdadeiro canto.
Um sopro ao nada. Um voo em Deus. Um vento.

Tradução de Ivo Barroso

terça-feira, 29 de julho de 2014

Ivan Junqueira, "A flor amarela"


Atrás daquela montanha
tem uma flor amarela;
dentro da flor amarela,
o menino que você era.

Porém, se atrás daquela
montanha não houver
a tal flor amarela,
o importante é acreditar
que atrás de outra montanha
tenha uma flor amarela
com o menino que você era
guardado dentro dela.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

domingo, 27 de julho de 2014

Murilo Mendes












"Lamentação"

Nenhum homem tem mais saída:
Antes de nós o dilúvio.
Durante o tédio no caos,
Depois o épico escuro.
A esperança desespera.
Os olhos não são para ver
Nem os ouvidos para ouvir.

O diálogo virou monólogo,
Meio-dia é meia-noite.
Todos curvados constroem
Suas próprias algemas.
O longo ai das criaturas
Sobe para o céu
Forrado de espadas.

sábado, 26 de julho de 2014

Raul de Carvalho, "Campa"


Minha febre iluminada o que te devo?
Depois da morte minha nada sei!

Sei que desejo para o meu corpo efêmero
E dividido por tantos, tantos! amores

Um cálice de brandura
Um pó de esquecimento
O quadrilátero mais simples que houver em pedra
        talhada pelos homens
E com estes dizeres: Poeta, e nada mais.


sexta-feira, 25 de julho de 2014

Charles Landseer , "O Pão de Açucar visto da Estrada do Silvestre"

 














Charles Landseer (1799 - 1879) foi um pintor e aquarelista inglês que se tornou conhecido por acompanhar Charles Darwin como desenhista no primeiro trecho da sua viagem exploratória pelo mundo.
Após, em julho de 1825, o pintor chegou ao Rio de Janeiro com a missão diplomática inglesa encarregada de negociar o reconhecimento do Império do Brasil, aqui permanecendo até maio de 1826.
Produziu mais de 300 trabalhos em bico de pena, aquarelas, carvão e pinturas fixando a paisagem brasileira da época.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Ariano Suassuna (João Pessoa, 16 de junho de 1927 — Recife, 23 de julho de 2014)

















"Lápide"

Quando eu morrer, não soltem meu Cavalo
nas pedras do meu Pasto incendiado:
fustiguem-lhe seu Dorso alardeado,
com a Espora de ouro, até matá-lo.

Um dos meus filhos deve cavalgá-lo
numa Sela de couro esverdeado,
que arraste pelo Chão pedroso e pardo
chapas de Cobre, sinos e badalos.

Assim, com o Raio e o cobre percutido,
tropel de cascos, sangue do Castanho,
talvez se finja o som de Ouro fundido

que, em vão – Sangue insensato e vagabundo —
tentei forjar, no meu Cantar estranho,
à tez da minha Fera e ao Sol do Mundo!

Donizete Galvão, "Resposta"


Na infância, o que se grava na carne permanece.
O sentimento de humilhação por se sentir
                                            torto
                                            fraco
                                            desastrado
                                            quatro-olhos.

Aprende-se a viver inacabado,
a esconder, constrangido, o corpo
nas penumbras.

Como querer que o homem velho,
com sua parca energia já gasta,
mude o registro consolidado?
Como querer que ande horas sob o sol
e faça exercícios vigorosos
como se fora um ginasta?

 

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Ribeiro Couto, "Surdina"


Minha poesia é toda mansa.
Não gesticulo, não me exalto...
Meu tormento sem esperança
tem o pudor de falar alto.


No entanto, de olhos sorridentes,
assisto, pela vida em fora,
à coroação dos eloquentes.
É natural: a voz sonora
inflama as multidões contentes.

Eu, porém, sou da minoria.

Ao ver as multidões contentes
penso, quase sem ironia:
"Abençoados os eloquentes
que vos dão toda essa alegria."


Para não ferir a lembrança
minha poesia tem cuidados...
E assim é tão mansa, tão mansa,
que pousa em corações magoados
como um beijo numa criança.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Al Berto



"há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida..."

há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida
pensava eu... como seriam felizes as mulheres
à beira mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcado

por vezes
uma gaivota pousava nas águas
outras era o sol que cegava
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentíssimos... sem ninguém

e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentado à porta... dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim envelheci... acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão

(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no
coração. mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)

um dia houve
que nunca mais avistei cidades crepusculares
e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta
inclino-me de novo para o pano deste século
recomeço a bordar ou a dormir
tanto faz
sempre tive dúvidas que alguma vez me visite a felicidade
 

domingo, 20 de julho de 2014

Reynaldo Valinho Alvarez, "A paz quase impossível"


Tudo é parede em torno, tudo é nada
e em vão martelo o crânio contra o muro,
os ladrilhos manchados da prisão,
o cárcere maldito, a solitária,
a cela-surda em que não sento ou deito,
mastigando os insetos do meu dia,
a palavra travada, a fala morta
no tubo amordaçado da garganta,
eu, Sísifo rolando a pedra bruta,
eu, Prometeu acorrentado e exposto
ao abutre infernal, eu, navegante
sem bússola ou sextante, remo ou vela,
eu, estrangeiro indesejado, eu, morto,
insistindo no jogo de estar vivo.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Carlos Machado













"Certo"

as coisas não dão certo
nunca deram certo
não foram feitas para dar certo

nós é que temos a ambição do alinhamento
e da simetria

e até inventamos deuses imperfeitos
construídos à imagem
e semelhança do que sonhamos

as coisas não dão certo
nós é que cerzimos o pano
obturamos o dente
remendamos a fronteira no mapa

e inauguramos
na estátua de chumbo
um simulacro de ave

queremos crer
que as coisas dão certo
as coisas agora estão dando certo
e - se deus quiser -
sempre darão

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Ferreira Gullar










"Calco sob os pés sórdidos o mito..."

Calco sob os pés sórdidos o mito
que os céus segura - e sobre um caos me assento.
Piso a manhã caída no cimento
como flor violentada. Anjo maldito,

(pretendi devassar o nascimento
da terrível magia) agora hesito,
e queimo - e tudo é o desmoronamento
do mistério que sofro e necessito.

Hesito, é certo, mas guardo o assombro
com que verei descer dos céus remotos
o raio que me fenderá no ombro.

Vinda a paz, rosa-após dos terremotos,
eu mesmo juntarei a estrela ou a pedra
que de mim reste sob os meus escombros.

terça-feira, 15 de julho de 2014

Reinaldo Ferreira, "Deixai os doidos governar entre comparsas"


Deixai os doidos governar entre comparsas!
Deixai-os declamar dos seus balcões
Sobre as praças desertas!
Deixai as frases odiosas que eles disserem,
Como morcegos à luz do Sol,
Atónitas baterem de parede em parede,
Até morrerem no ar
Que as não ouviu
Nem percutiu
À distância da multidão que partiu!
Deixai-os gritar pelos salões vazios,
Eles, os portentosos mais que os mares,
Eles, os caudalosos mais que os rios,
O medo de estar sós
Entre os milhares
De esgares
Reflectidos nos colossais
Cristais
Hílares
Que a sua grandeza lhes sonhou!

segunda-feira, 14 de julho de 2014

José Hierro, "Serenidade"


Serenidade, és para os mortos,
que eu estou vivo e peço luta.
Outros haverá que te desejem:
esses não sabem o que buscam.
Se adormecessem nossas almas,
se as tivéssemos maduras
para olharmos insensíveis,
para aceitar sem amargura,
para não ver a vida em volta
apaixonadamente nunca,
duros e frios, como pedra
que sopra o vento e não a muda...

Almas claras. Olhos despertos.
Ouvidos cheios só da música
do sofrimento. Os dedos felizes,
embora os firam os agudos
espinhos. Todo o sabor acre
da vida em nossa língua.

                                 «Nunca
poderás molhar teus pés no rio
em que ontem os molhaste. Busca
a eternidade, vive no alto
contemplar de sua figura.»

 
Palavreado só dos livros,
desse que deixa a alma turva.
Serenidade que se vende
para livrar-nos da tortura,
para nos encher de sonho a alma
e rodeá-la pela bruma.
Serenidade, és para os mortos.
O homem é homem, não o assusta
saber que o vento que lhe canta
não voltará a cantar-lhe nunca.
Serenidade, não te entregues
a mim, nem te dês nunca
ainda que eu peça de joelhos
me libertes de minha angústia.
Será que vivo sem sabê-lo
ou que abandono já a luta.
Tu não me escutes, não me eleves
ao teu cume de luz única.

Palavreado só dos livros,
desse que deixa a alma turva.
Também me faço um pouco livro,
dorme minha alma...

                              Luz difusa.
A madrugada despedaça-se
azul e acre, como um fruto.
Os pinhais cantam na distância.
Chora um menino. E as nuas
mulheres e homens silenciosos
devagar erguem-se das últimas
sombras. Os pássaros esperam-me.
Alçam-se as ondas. (E perguntam-me
porquê). Sinos... (Ontem névoa,
hoje claro sol e depois chuva...)
Porquê? As folhas estremecem...

Vou inundando-me de música.

 Tradução de José Bento

sábado, 12 de julho de 2014

Allen Ginsberg

   

















"Um super mercado na Califórnia"                       

Como estive pensando em você esta noite, Walt Whitman,
enquanto caminhava pelas ruas sob as árvores, com dor
de cabeça, autoconsciente, olhando a lua cheia.

No meu cansaço faminto, fazendo o Shopping

das imagens, entrei no supermercado das frutas
de néon sonhando com tuas enumerações!

Que pêssegos e que penumbras! Famílias inteiras

fazendo suas compras a noite! Corredores
cheios de maridos!

Esposas entre os abacates, bebês nos tomates! – e você,

Garcia Lorca, o que fazia lá, no meio das melancias?

Eu o vi Walt Whitman, sem filhos, velho vagabundo

solitário, remexendo nas carnes do refrigerador e lançando
olhares para os garotos da mercearia.

Ouvi-o fazer perguntas a cada um deles; Quem matou

as costeletas de porco? Qual o preço das bananas?
Será você meu Anjo?

Caminhei entre as brilhantes pilhas de latarias, seguindo-o

e sendo seguido na minha imaginação pelo detetive da loja.

Perambulamos juntos pelos amplos corredores com nosso

passo solitário, provando alcachofras, pegando cada um
dos petiscos gelados e nunca passando pelo caixa.

Aonde vamos, Walt Whitman? As portas fecharão

em uma hora. Para quais caminhos aponta tua barba
esta noite? (Toco teu livro e sonho com nossa
odisseia no supermercado e sinto-me absurdo)

Caminharemos a noite toda por solitárias ruas?

As árvores somam sombras às sombras, luzes apagam-se
nas casas, ficaremos ambos sós.

Vaguearemos sonhando com a América perdida do amor,

passando pelos automóveis azuis nas vias expressas,
voltando para nosso silencioso chalé?

Ah, pai querido, barba grisalha, velho e solitário professor 

de coragem, qual América era a sua quando Caronte parou
de impelir sua balsa e Você na margem nevoenta, olhando
a barca desaparecer nas negras águas do Letes?


Tradução de Cláudio Willer

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Ruy Belo, "O Portugal futuro"


O portugal futuro é um país
aonde o puro pássaro é possível
e sobre o leito negro do asfalto da estrada
as profundas crianças desenharão a giz
esse peixe da infância que vem na enxurrada
e me parece que se chama sável
Mas desenhem elas o que desenharem
é essa a forma do meu país
e chamem elas o que lhe chamarem
portugal será e lá serei feliz
Poderá ser pequeno como este
ter a oeste o mar e a espanha a leste
tudo nele será novo desde os ramos à raiz
À sombra dos plátanos as crianças dançarão
e na avenida que houver à beira-mar
pode o tempo mudar será verão
Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz
mas isso era o passado e podia ser duro
edificar sobre ele o portugal futuro

quarta-feira, 9 de julho de 2014

J.G. de Araújo Jorge, "Sinfonia cotidiana"


A manhã surge
aos sons do Concerto nº 1 de Grieg
no rádio madrugador de meu vizinho.
-
A tarde chega
acompanhada pelo Prelúdio  nº 24 de Chopin,
num piano sem lugar.
-
A madrugada se embala
com a música do mar.

terça-feira, 8 de julho de 2014

António Gedeão, "Minha aldeia"

-
Minha aldeia é todo o mundo.
Todo o mundo me pertence.
Aqui me encontro e confundo
com gente de todo o mundo
que a todo o mundo pertence.
-
Bate o sol na minha aldeia
com várias inclinações.
Ângulo novo, nova ideia;
outros graus, outras razões.
Que os homens da minha aldeia
são centenas de milhões.
-
Os homens da minha aldeia
divergem por natureza.
O mesmo sonho os separa,
a mesma fria certeza
os afasta e desempara,
rumorejante seara
onde se odeia em beleza.
-
Os homens da minha aldeia
formigam raivosamente
com os pés colados ao chão.
Nessa prisão permanente
cada qual é seu irmão.

Valências de fora e dentro
ligam tudo ao mesmo centro
numa inquebrável cadeia.
Longas raízes que imergem,
todos os homens convergem
no centro da minha aldeia.

domingo, 6 de julho de 2014

Gilberto Mendonça Teles, "Curriculo"


Fiz meu curso de madureza,
passei nos testes com bom conceito:
conheço tudo de cama e mesa,
tenho diplomas dentro do peito.
-
Aluno médio de neolatinas,
vi línguas mortas, literaturas…
Mas eram tantas as disciplinas,
as biografias, nomenclaturas,
-
tantos os rumos na encruzilhada,
tantas matérias sem conteúdo,
que acabei não sabendo nada,
embora mestre de quase tudo.
-
Doutor em letras, as minhas cartas
são andorinhas nos vãos dos templos;
ensino o fino das coisas fartas
e amores livres com bons exemplos.
-
Livre-docente, sou indecente
e nunca ensino o pulo-do-gato:
esta a razão por que há sempre gente
contra o meu jeito de liter-rato.
-
Com tantos títulos e uma musa,
sou titular, mas jogo na extrema:
o ponta-esquerda que nunca cruza,
que sempre dribla nalgum poema.
-
Sou bem casado, mas já fiz bodas;
Já fui cassado, tive anistia:
e, buliçoso, conheço todas
as coisas boas de cada dia.
-
Só não conheço o que mais excita,
o que me envolve por todo lado:
talvez a essência da coisa escrita,
talvez a forma de um mau-olhado.
-

sábado, 5 de julho de 2014

Ivan Junqueira ( Rio de Janeiro, 3 de novembro de 1934 — Rio de Janeiro, 3 de julho de 2014)





  






"Morrer"

Pois morrer é apenas isto:
cerrar os olhos vazios
e esquecer o que foi visto;

é não supor-se infinito,
mas antes fáustico e ambíguo,
jogral entre a história e o mito;

é despedir-se em surdina,
sem epitáfio melífluo
ou testamento sovina;

é talvez como despir
o que em vida não vestia
e agora é inútil vestir;

é nada deixar aqui:
memória, pecúlio, estirpe,
sequer um traço de si;

é findar-se como um círio
em cuja luz tudo expira
sem êxtase nem martírio.

António Gomes Leal, "A visita"


Ontem dormia à noite—e, eis que desperto
Sacudido d'um vento agudo e forte,
Como um homem tocado pela Morte,
Ou varrido d'um vento do deserto,

Acordei - era Deus, que de mim perto,
Me dizia: "Alma cética e sem norte!
É preciso que creias e te importe
Adorar o Deus Uno, Eterno, e Certo! 

É preciso que a fé cresça em tua alma
Como no inútil saibro a verde palma,
Verme! filho da Dúvida—Eis-me aqui!

Eu sou a Espada, o Antigo, o Onipotente!
Crê barro vil!"—Mas eu, descortesmente,
Voltei-me do outro lado e adormeci.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Carlos Drummond de Andrade












"Menino chorando na noite"

Na noite lenta e morna, morta noite sem ruído, um menino chora.
O choro atrás da parede, a luz atrás da vidraça
perdem-se na sombra dos passos abafados, das vozes extenuadas.
E no entanto se ouve até o rumor da gota de remédio caindo na colher.


Um menino chora na noite, atrás da parede, atrás da rua,
longe um menino chora, em outra cidade talvez,
talvez em outro mundo.


E vejo a mão que levanta a colher, enquanto a outra sustenta a cabeça
e vejo o fio oleoso que escorre pelo queixo do menino,
escorre pela rua, escorre pela cidade (um fio apenas).
E não há ninguém mais no mundo a não ser esse menino chorando.


quarta-feira, 2 de julho de 2014

Manuel Bandeira, "Pardais novos"


Um dia o meu telefone, instalado à cabeceira de minha cama, retiniu violentamente, às sete da manhã. Estremunhado tomei do receptor e ouvi do outro lado uma voz que dizia:

Mestre, sou um pardal novo. Posso, ler-lhe uns versos par que o senhor me dê a sua opinião?

Ponderei com mau humor ao pardal que aquilo não eram horas para consultas de tal natureza, que ele me telefonasse mais tarde. O pardal não telefonou de novo: veio às nove e meia ao meu apartamento.

Mal o vi, percebi que não se tratava de pardal novo. Ele mesmo como que concordou que o não era, pois perguntando-lhe eu a idade, hesitou contrafeito para responder que tinha trinta e cinco anos. Ainda por cima era um pardal velho!

Desde esse dia passei a chamar de pardais novos os rapazes que me procuram para mostrar-me os seus primeiros ensaios de voo no céu da poesia. Dizem eles que desejam saber se têm realmente queda para o ofício, se vale a pena persistir, etc. Fico sempre embaraçado para dar qualquer conselho. A menos que se seja um Rimbaud ou, mais modestamente, um Castro Alves, que poesia se pode fazer antes dos vinte anos? Como Mallarmé afirmou certa vez que todo verso é um esforço para o estilo, acabo aconselhando ao pardal que vá fazendo os seus versinhos, sem se preocupar com a opinião de ninguém, inclusive a minha.

A semana passada recebi carta, não de um pardal, mas de uma pardoca. De urna pardoquinha. Com dezesseis anos, que beleza! Mandava-me versos não só em português, mas em francês também e inglês. Havia qualquer coisa naqueles balbucios. O francês estava bem erradinho, mas o inglês não, e até saiu bonitinho. Respondi-lhe assim:

Dos poemas que você me mandou o melhor está no próprio texto de sua carta e é isto:

Tenho dezesseis anos
Estou cursando o 1.° cientifico
E fico eufórica sempre que escrevo algo.

Se você se sente eufórica quando escreve alguma coisa, vá continuando a escrever, pelo só prazer de escrever, que já não é pouco.

Dezesseis anos! Que idade risonha e bela, não, leitores?

terça-feira, 1 de julho de 2014