Agora, como sempre,
é com outros que se obtem perícia,
pois não é fácil abrir
a porta dos poemas ainda escondidos.
(Baquílides)
terça-feira, 22 de outubro de 2013
Martins Fontes, "Escandalosidade discretíssima"
Penetrei no teu quarto, sorrateiro.
Entreabri do teu leito o cortinado.
Invejei, morno e fofo, o travesseiro
Em que teu sono dormes, perfumado.
Delicadezas vi do teu apeiro*
De prata. E, entre cem jóias, perturbado,
Quis beijar-te, beijar-te o corpo inteiro,
Como um ávido amante alucinado.
E beijei-te! Beijei-te o ombro desnudo,
A fronte, a face, o cálice vermelho
Da boca em flor, os cílios de veludo...
E, a pouco e pouco, fui dobrando o joelho,
E alfim* beijei, enternecido e mudo,
O lugar dos teus pés no teu espelho.
*Apeiro - Os instrumentos necessários a um mister; aprestos, preparos, utensílios (o poeta se refere à caixa de joias da moça).
*Alfim - o mesmo que enfim.
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