sexta-feira, 5 de agosto de 2011

João Cabral de Melo Neto, "O sol em Pernambuco"

(O sol em Pernambuco leva dois sóis,
sol de dois canos, de tiro repetido;
o primeiro dos dois, o fuzil de fogo,
incendeia a terra: tiro de inimigo).
O sol ao aterrissar em Pernambuco,
acaba de voar dormindo o mar deserto;
dormiu porque deserto; mas ao dormir
se refaz, e pode decolar mais aceso;
assim, mais do que acender incendeia,
para rasar mais desertos no caminho;
ou rasá-los mais, até um vazio de mar
por onde ele continue a voar dormindo.

Pinzón diz que o cabo Rostro Hermoso
(que se diz hoje de Santo Agostinho)
cai pela terra de mais luz da terra
(mudou o nome, sobrou a luz a pino);
dá-se que hoje dói na vida tanta luz:
ela revela real o real, impõe filtros:
as lentes negras, lentes de diminuir,
as lentes de distanciar, ou do exílio.
(O sol em Pernambuco leva dois sóis,
sol de dois canos, de tiro repetido;
o segundo dos dois, o fuzil de luz,
revela real a terra: tiro de inimigo).

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