quarta-feira, 31 de julho de 2013

Jorge de Sena













"Gênesis"

De mim não falo mais: não quero nada.
De Deus não falo: não tem outro abrigo.
Não falarei também do mundo antigo,
Pois nasce e morre a cada madrugada.

Nem de existir, que é vida atraiçoada,
Para sentir o tempo andar comigo;
Nem de viver; que é liberdade errada,
E foge todo o Amor quando o persigo.

Por mais justiça... - Ai quantos que eram novos
Em vão a esperaram, porque nunca a viram!
E a eternidade... Ó transfusão dos povos.

Não há verdade: o mundo não a esconde.
Tudo se vê: só se não sabe aonde.
Mortais ou imortais, todos mentiram.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

2º Movimento (Adagio) da Sonata nº 3, de Beethoven (Op. 2), com Sviatoslav Richter





A sonata foi composta em 1796, e é dedicada a Haydn.
Beethoven tinha 26 anos.

Raul de Carvalho, "Coração sem imagens"


Deito fora as imagens,
Sem ti para que me servem
as imagens? 

Preciso habituar-me
a substituir-te
pelo vento,
que está em toda a parte
e cuja direcção
é igualmente passageira
e verídica. 

Preciso habituar-me ao eco dos teus passos
numa casa deserta,
ao trémulo vigor de todos os teus gestos
invisíveis,
à canção que tu cantas e que mais ninguém ouve
a não ser eu. 

Serei feliz sem as imagens.
As imagens não dão
felicidade a ninguém. 

Era mais difícil perder-te,
e, no entanto, perdi-te. 

Era mais difícil inventar-te,
e eu te inventei. 

Posso passar sem as imagens
assim como posso
passar sem ti. 

E hei-de ser feliz ainda que
isso não seja ser feliz.

domingo, 28 de julho de 2013

David Mourão-Ferreira, "E por vezes"


E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos   E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites   não dos meses
lá no fundo dos corpos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes  ah  por vezes
num segundo se evolam tantos anos



sexta-feira, 26 de julho de 2013

Ruy Espinheira Filho, "Poema de novembro"


O difícil é aguentar até que a morte chegue.
Suportar, por exemplo, a memória do teu corpo
e aquela noite (era maio) sob
o branco incêndio da lua.

E tanto mais, tanto mais.
                                          Uma vida não dá
para contar
uma vida.
                   E toda uma
às vezes
se consome
numa carícia entre lençóis.

O difícil é aguentar até que a morte
chegue.
              A morte
que mata as mortes,
                                   sepulta
para sempre
todos os mortos. Como
este cadáver de amor
                                    que me perfuma.
                                 

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Jiri Wolker, "Os objetos"


Adoro os objetos, companheiros calados,
porque todos os tratam
como se fossem desprovidos de vida,
eles, no entanto, vivem e nos contemplam
como cães fiéis de olhar concentrado,
e padecem,
porque homem algum fala com eles.

Têm vergonha de começar o diálogo,
calam-se, aguardam, calam-se,
e gostariam tanto
de pôr-se a conversar!

Por isso adoro os objetos todos
e o mundo inteiro.

Tradução de Aleksandar Jovanovic

terça-feira, 23 de julho de 2013

Dora Ferreira da Silva










"Nascimento do poema"

É preciso que venha de longe
do vento mais antigo
ou da morte
é preciso que venha impreciso
inesperado como a rosa
ou como o riso
o poema necessário.

É preciso que ferido de amor
entre pombos
ou nas mansas colinas
que o ódio afaga
ele venha
sob o látego da insônia
morto e preservado.

E então desperta
para o rito da forma
lúcida
tranquila;
senhor de duplo reino
coroado
de sóis e luas.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Ronald de Carvalho, "Pudor"


Não digas que a vida é boa nem que é má,
pobre efêmero, triste efêmero dolente...

A vida não é boa nem é má,
a vida é indiferente...

sábado, 20 de julho de 2013

Emílio Moura, "Canção"


Viver não dói. O que dói
é a vida que se não vive.
Tanto mais bela sonhada,
quanto mais triste perdida.

Viver não dói. O que dói
é o tempo, essa força onírica
em que se criam os mitos
que o próprio tempo devora.

Viver não dói. O que dói
é essa estranha lucidez,
misto de fome e de sede
com que tudo devoramos.

Viver não dói. O que dói,
ferindo fundo, ferindo,
é a distância infinita
entre a vida que se pensa
e o pensamento vivido.

Que tudo o mais é perdido.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Mário Cesariny, "Autografia"

 
 
Sou um homem
um poeta
uma máquina de passar vidro colorido
um copo      uma pedra
uma pedra configurada
um avião que sobe levando-te nos seus braços
que atravessam agora o último glaciar da terra

O meu nome está farto de ser escrito na lista dos tiranos: condenado
            à morte!
os dias e as noites deste século têm gritado tanto no meu peito que
            existe nele uma árvore miraculada
tenho um pé que já deu a volta ao mundo
e a família na rua
um é loiro
outro moreno
e nunca se encontrarão
conheço a tua voz como os meus dedos
(antes de conhecer-te já eu te ia beijar a tua casa)
tenho um sol sobre a pleura
e toda a água do mar à minha espera
quando amo imito o movimento das marés
e os assassínios mais vulgares do ano
sou, por fora de mim, a minha gabardina
eu o pico do Everest 
posso ser visto à noite na companhia de gente altamente suspeita
e nunca de dia a teus pés florindo a tua boca
porque tu és o dia porque tu és
terra onde eu há milhares de anos vivo a parábola
do rei morto, do vento e da primavera
Quanto ao de toda a gente - tenho visto qualquer coisa
Viagens a Paris - já se arranjaram algumas.
Enlaces e divórcios de ocasião - não foram poucos.
Conversas com meteoros internacionais - também, já por cá
            passaram.
E sou, no sentido mais enérgico da palavra
na carruagem de propulsão por hálito
os amigos que tive as mulheres que assombrei as ruas por onde
            passei uma só vez
tudo isso vive em mim para uma história
de sentido ainda oculto
magnífica      irreal
como uma povoação abandonada aos lobos
lapidar e seca
como uma linha férrea ultrajada pelo tempo
é por isso que eu trago um certo peso extinto
nas costas
a servir de combustível
é por isso que eu acho que as paisagens ainda hão-de vir a ser
escrupulosamente electrocutadas vivas
para não termos de atirá-los semi-mortas à linha
E para dizer-te tudo
dir-te-ei que aos meus vinte e cinco anos de existência solar estou
            em franca ascensão para ti O Magnífico
na cama      no espaço duma pedra      em Lisboa-Os-Sustos
e que o homem-expedição de que não há notícias nos jornais nem
            lágrimas à porta das famílias
sou eu meu bem sou eu partido de manhã encontrado perdido entre
            lagos de incêndio e o teu retrato grande!

 

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Kóstas Ouránis












"A minha vida"

A minha vida toda, nostalgia só e anseios!
Ora eu palácios de quimera edificar queria,
ora então, como rosas, desfolhar meus pensamentos
sobre a tumba do que passa - e de viver me esquecia.
Os anos me correram como areia pelas mãos,
pelos meus dedos sonhadores, e a alma dolorida,
na hora de outono em que os sinos puseram-se a tocar,
viu cair inexorável a Noite em minha vida.
Sou como uma casa de marujos à beira-mar,
cujos homens sumiram juntamente com os barcos;
quando sopram os ventos durante as noites de medo,
suas mães e irmãs, todas elas vestidas de negro,
inclinam as cabeças silentes, apavoradas,

como se ouvissem bater na porta há tanto fechada.

Tradução de José Paulo Paes

terça-feira, 16 de julho de 2013

Ruy Espinheira Filho













"Primeiro soneto da permanência"

Esta saudade bate no meu peito
como um velho vento encrespado de remorsos,
tardes mansas, manhãs iluminadas,
meigos seios nascentes, bicicletas 

em torno do jardim. Esta saudade
queima e me embriaga. E bebo mais.
E bebo tudo e já não resta nada
no universo a não ser a embriaguez

desta saudade. E eis que me sinto absinto
e não me encontro em mim. Estarei morto?
Não estou morto: estou é lá, aqui

na distância, no centro deste parque
que gira e gira o mundo. Aí estou
e fico imóvel neste carrossel.

domingo, 14 de julho de 2013

Violeta Parra




"Volver a los diecisiete"

Volver a los diecisiete
después de vivir un siglo
es como descifrar signos
sin ser sabio competente,
volver a ser de repente
tan frágil como un segundo,
volver a sentir profundo
como un niño frente a Dios,
eso es lo que siento yo
en este instante fecundo.
Se va enredando, enredando,
como en el muro la hiedra,
y va brotando, brotando,
como el musguito en la piedra.
Ay si si si.

Mi paso retrocedido
cuando el de ustedes avanza,
el arco de las alianzas
ha penetrado en mi nido,
con todo su colorido
se ha paseado por mis venas
y hasta las duras cadenas
con que nos ata el destino
es como un diamante fino
que alumbra mi alma serena.
Lo que puede el sentimiento
no lo ha podido el saber,
ni el mas claro proceder
ni el más ancho pensamiento,
todo lo cambia el momento
cual mago condescendiente,
nos aleja dulcemente
de rencores y violencias,
sólo el amor con su ciencia
nos vuelve tan inocentes.

El amor es torbellino
de pureza original,
hasta el feroz animal
susurra su dulce trino,
detiene a los peregrinos,
libera a los prisioneros,
el amor con sus esmeros
al viejo lo vuelve niño
y al malo solo el cariño
lo vuelve puro y sincero.
De par en par en la ventana
se abrió como por encanto,
entró el amor con su manto
como una tibia mañana,
al son de su bella diana
hizo brotar el jazmín,
volando cual serafín
al cielo le puso aretes
y mis años en diecisiete
los convirtió el querubín.

Nicolas Behr













"Poeta marginal? Eu, hein?"

não nasci em montes claros. não tenho nome completo.
não sou professor. não consegui conciliar nada
com a literatura. nunca publiquei nada. atualmente
não resido em porto alegre. não me chamo eduardo veiga.
não escrevo poesia há mais de 15 anos. não estou
organizando meu primeiro livro. não sou graduado
em letras. não acredito que a poesia seja necessária.            
não estou concluindo nenhum curso de pedagogia. não            
colaboro em nenhum suplemento literário. não estou
presente em todos os movimentos culturais da minha terra.
não sou membro da academia goiana de letras. não trabalho
como assessor cultural da secretaria de cultura. meus pais
não foram ligados ao cinema. não tenho tema preferido.
não comecei a fazer teatro aos 12 anos. não me especializei
em literatura hispano-americana. não tenho crônicas
publicadas n’o republica de lisboa. não passei minha
infância em pindamonhangaba. não canto a esperança.
não recebi nenhuma premiação em concurso de prosa
e poesia. não tenho sete livros inéditos. não sou
considerado um dos maiores poetas brasileiros. nunca fui
convidado para dar palestras em universidades. não vejo            
poesia em tudo. não faço parte do grupo noigrandes.            
não me interesso por literatura infantil. não sou
casado com o poeta afonso ávila. na minha estreia
não recebi o prêmio estadual de poesia. o crítico
josé batista nunca disse nada a meu respeito. não sofri influência            
de bilac. não sou ativo, nem dinâmico. não me dedico
com afinco à pecuária. não sou portador de vasto
curriculum. não recebi menção honrosa no concurso            
de poesia ferreira gullar. não exerço nenhuma atividade            
docente, nem decente. não iniciei minha carreira literária            
no exército. não fui a primeira mulher eleita para
a academia acreana de letras. não tenho poesias traduzidas
para o francês. não estou incluído numa antologia
a ser publicada no méxico. minha poesia não é corajosa.            
não gosto de arqueologia. walmir ayalla nunca me considerou            
um revolucionário. nunca tentei compreender o homem
na sua totalidade. não vim para o brasil com 5 anos de idade.
não aprendi russo para ler maiakowski. meu pai não é chileno.            
não sou virgem, sou capricórnio. não sou mãe de seis filhos.
nunca escrevi contos. não me responsabilizo pelos poemas
que assino. não sou irônico. não considero drummond
o maior poeta da língua portuguesa. não gosto de andar
de bicicleta. não sou chato. não sei em que ano aconteceu
a semana de 22. não imito ninguém. não gosto de rock.
não sou primo dos irmãos campos. não sou nem quero ser
crítico literário. nunca me elogiaram. nunca me acusaram
de plágio. não te amo mais. minha poesia nunca veiculou
nada. não sei o que vocês querem de mim. não espero
publicar nenhum romance. não sou lírico.
não tenho fogo. não escrevi isto que vocês estão lendo.

sábado, 13 de julho de 2013

Mário Cesariny, "O poeta cai pela segunda vez"


O poeta chorava
o poeta buscava-se todo
o poeta andava de pensão em pensão
comia mal tinha diarreias extenuantes
mas buscava uma estrela, talvez a salvação.
O poeta era sinceríssimo, honesto, total.
Raras vezes tomava o eléctrico
em podendo
voltava
não podendo
ver-se-ia
tudo mais ou menos
a cair de vergonha
mais ou menos
como os ladrões.

E agora o poeta começou a rir
rir de vós ó manutensores
da afanosa ordem capitalista
já riu de si-mesmo, de se ter suicidado
de ter tido diarreia de não pedir dinheiro
o poeta viu chegar a orquestra dos silêncios
primeiro quis só ouvir depois teve que olhar
depois comprou jornais foi para casa leu tudo
quando chegou à página dos anúncios
o poeta teve um vómito que lhe estragou
as únicas que ainda tinha
e pôs-se a rir do logro é um tanto sinistro
mas é inevitável é um bem é uma dádiva.

Tirai-lhe agora os versos que ele próprio despreza
negai-lhe o amor que ele mesmo abandona
caçai-o entre a multidão
crucificai-o de novo mas com mais requinte.
Subsistirá. É maior do que isso.
Prendei-o. Viverá de tal forma
que as próprias grades farão causa com ele.
E matá-lo não é solução
o poeta
O POETA
O POETA
destrói-vos.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

William Shakespeare, "A um dia de verão como hei de comparar-te..."


A um dia de verão como hei de comparar-te?
Vencendo-o em equilíbrio, és sempre mais amável:
Em maio o vendaval ternos botões disparte,
E o estio se consome em prazo não durável;
Às vezes, muito quente, o olho do céu fulgura,
Outras vezes se ofusca a sua tez dourada;
Decai da formosura, é certo, a formosura,
Pelo tempo ou o acaso enfim desadornada:
Mas teu verão é eterno e não desmaiara,
nem hás de a possessão perder de tuas galas;
Vagando em tua sombra o Fim não te verá,
Pois neste verso eterno ao tempo tu te igualas;
   Enquanto o homem respire, e os olhos possam ver,
   Meu canto existirá, e nele hás de viver.

Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos


quarta-feira, 10 de julho de 2013

António Ramos Rosa, "Não preciso aproximar-me ..."


Não preciso aproximar-me com dois passos vacilantes
tenho ainda tempo de vos enviar um vislumbre
do fogo do meu rio
onde os animais se desalteram
onde as estrelas da noite ainda cintilam
e os frémitos dos pássaros agitam as cinzas e as pedras

Este rio tem o suor do meu sangue
mas também a luz frágil das minhas feridas
que desce os declives verdes
e ascende pelo espaço
entrando na nebulosa do vento
e indefinidamente
como a respiração do mundo
dissemina nos bairros o seu fogo vivo

Esse vislumbre vem de um país ferido
desconhecido
vem do homem que vos escreve
porque não tem qualquer mensagem para vos dar

O meu vislumbre
não é o sinal com um sentido
é um poema
que ninguém pode soletrar
como um abecedário
podem lê-lo claramente
à luz da sua claridade indefinível
As vossas portas hão-de ficar inteiras
mas este vislumbre será para vós inesquecível


segunda-feira, 8 de julho de 2013

Cláudia Roquete-Pinto, "Sítio"


O morro está pegando fogo.
O ar incômodo, grosso,
faz do menor movimento um esforço,
como andar sob outra atmosfera,
entre panos úmidos, mudos,
num caldo sujo de claras em neve.
Os carros, no viaduto,
engatam sua centopéia:
olhos acesos, suor de diesel,
ruído motor, desespero surdo.
O sol devia estar se pondo, agora
- mas como confirmar sua trajetória
debaixo desta cúpula de pó,
este céu invertido?
Olhar o mar não traz nenhum consolo
(se ele é um cachorro imenso, trêmulo,
vomitando uma espuma de bile,
e vem acabar de morrer na nossa porta).
Uma penugem antagonista
deitou nas folhas dos crisântemos
e vai escurecendo, dia a dia,
os olhos das margaridas,
o coração das rosas.
De madrugada,
muda na caixa refrigerada,
a carga de agulhas cai queimando
tímpanos, pálpebras:

O menino brincando na varanda.
Dizem que ele não percebeu.

De que outro modo poderia ainda
ter virado o rosto: - Pai!
acho que um bicho me mordeu!

assim que a bala varou sua cabeça?

domingo, 7 de julho de 2013

Miguel Sanches Neto, "Correio"


Trago-te flores de hoje,
recém-colhidas,
embrulhadas em jornais
já amarelos.

Ei-las envolvidas por anúncios
de carro, acompanhante,
casa em bairro bem localizado
e pelas notícias ínfimas:
a queda do ministro,
o índice da inflação de abril
e um etc, igualmente medíocre.

Trago-te estas flores
embrulhadas em assuntos velhos
(quem se lembrará do ministro caído?)
para que não se esqueça
de amar-me com urgência.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Mauro Mota, "A flauta"


Buscas a flauta,
e a flauta muda
toca o silêncio
de uma flor na chuva.
Buscas a flauta,
e a flauta nos
bambus,
verde e intacta, à
espera do sopro.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

David Mourão-Ferreira, "Crepúsculo"


É quando um espelho, no quarto,
se enfastia;
quando a noite se destaca
da cortina;
quando a força de vontade
ressuscita;
quando o pé sobre o sapato
se equilibra...
E quando ás sete da tarde
morre o dia
- que dentro de nossas almas
se ilumina,
com luz lívida, a palavra
despedida.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Ruy Belo, "Para a dedicação de um homem"


Terrível é o homem em quem o senhor
desmaiou o olhar furtivo das searas
ou reclinou a cabeça
ou aquele disposto a virar decisivamente a esquina
Não há conspiração de folhas que recolha
a sua despedida. Nem ombro para o seu ombro
quando caminha pela tarde acima
A morte é a grande palavra para esse homem
não há outra que o diga a ele próprio
É terrível ter o destino
da onda anónima morta na praia.


segunda-feira, 1 de julho de 2013

Ana Cristina Cesar, "Samba-canção"


Tantos poemas que perdi.
Tantos que ouvi, de graça,
pelo telefone - taí,
eu fiz tudo pra você gostar,
fui mulher vulgar,
meia-bruxa, meia-fera,
risinho modernista
arranhando na garganta,
malandra, bicha,
bem viada, vândala,
talvez maquiavélica
e um dia emburrei-me,
vali-me de mesuras
(era uma estratégia),
fiz comércio, avara,
embora um pouco burra,
porque inteligente me punha
logo rubra, ou ao contrário, cara
pálida que desconhece
o próprio cor-de-rosa,
e tantas fiz, talvez
querendo a glória, a outra
cena à luz de spots,
talvez apenas teu carinho,
mas tantas, tantas fiz...