segunda-feira, 29 de julho de 2013

Raul de Carvalho, "Coração sem imagens"


Deito fora as imagens,
Sem ti para que me servem
as imagens? 

Preciso habituar-me
a substituir-te
pelo vento,
que está em toda a parte
e cuja direcção
é igualmente passageira
e verídica. 

Preciso habituar-me ao eco dos teus passos
numa casa deserta,
ao trémulo vigor de todos os teus gestos
invisíveis,
à canção que tu cantas e que mais ninguém ouve
a não ser eu. 

Serei feliz sem as imagens.
As imagens não dão
felicidade a ninguém. 

Era mais difícil perder-te,
e, no entanto, perdi-te. 

Era mais difícil inventar-te,
e eu te inventei. 

Posso passar sem as imagens
assim como posso
passar sem ti. 

E hei-de ser feliz ainda que
isso não seja ser feliz.

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