sábado, 31 de março de 2018

Leis estranhas em Nevada (EUA)


-- Andar de camelo em rodovia é ilegal.

-- Enforcar alguém por atirar eu seu cachorro, em sua propriedade, é permitido.

-- Em Eureka: Homem com bigode viola a lei se beijar uma mulher.

-- Em Nyala: Um homem é proibido de comprar drinques para mais de três pessoas, além de si mesmo, a qualquer hora do dia.

-- Em Reno: Deitar na calçada é contra a lei. Também: Bancos não podem ser colocados no meio de qualquer rua. Ainda: Brinquedos sexuais são proibidos.

quinta-feira, 29 de março de 2018

Murilo Mendes, "A destruição"


Morrerei abominando o mal que cometi
E sem ânimo para fazer o bem.
Amo tanto o culpado como o inocente.
Ó Madalena, tu que dominaste a força da carne,
Estás mais perto de nós do que a Virgem Maria,
Isenta, desde a eternidade, da culpa original.
Meus irmãos, somos mais unidos pelo pecado do que pela Graça:
Pertencemos à numerosa comunidade do desespero
Que existirá até a consumação do mundo.

quarta-feira, 28 de março de 2018

Cecília Meireles, "Canção"


Eras um rosto
na noite larga
de altas insônias
iluminada.

Serás um dia
vago retrato
de quem se diga:
“o antepassado”.

Eras um poema
cujas palavras
cresciam dentre
mistério e lágrimas.

Serás silêncio,
tempo sem rastro,
de esquecimentos
atravessado.

Disso é que sofre
a amargurada
flor da memória
que ao vento fala.

segunda-feira, 26 de março de 2018

Murilo Mendes, "A danação"


Há fortes iluminações sem permanência.
A parte da Graça é tão pequena
Que me vejo esmagado pelo monumento do mundo.

Quem me ouvirá? Quem me verá? Quem me há de tocar?
Chorai sobre mim, sobre vós e sobre vossos filhos.

A fulguração que me cerca vem do demônio.
Maldito das leis inocentes do mundo
Não reconheço a paternidade divina.
Eu profanei a hóstia e manchei o corpo da Igreja:
Os anjos me transportam do outro mundo para este.

domingo, 25 de março de 2018

Hilda Machado, "Miscasting"


                                  “So you think salvation lies in pretending?”
                                                    Paul Bowles


estou entregando o cargo
onde é que assino
retorno outros pertences
um pavilhão em ruínas
o glorioso crepúsculo na praia
e a personagem de mulher
mais Julieta que Justine
adeus ardor
adeus afrontas
estou entregando o cargo
onde é que assino

há 77 dias deixei na portaria
o remo de cativo nas galés de Argélia
uma garrafa de vodka vazia
cinco meses de luxúria
despido o luto
na esquina
um ovo
feliz ano novo
bem vindo outro
como é que abre esse champanhe
como se ri

mas o cavaleiro de espadas voltou a galope
armou a sua armadilha
cisco no olho da caolha
a sua vitória de Pirro
cidades fortificadas
mil torres
escaladas por memórias inimigas
eu, a amada
eu, a sábia
eu, a traída

agora finalmente estou renunciando ao pacto
rasgo o contrato
devolvo a fita
me vendeu gato por lebre
paródia por filme francês
a atriz coadjuvante é uma canastra
a cena da queda é o mesmo castelo de cartas
o herói chega dizendo ter perdido a chave
a barba de mais de três dias

vim devolver o homem
assino onde
o peito desse cavaleiro não é de aço
sua armadura é um galão de tinta inútil
similar paraguaio
fraco abusado
soufflé falhado e palavra fútil

seu peito de cavalheiro
é porta sem campainha
telefone que não responde
só tropeça em velhos recados
positivo
câmbio
não adianta insistir
onde não há ninguém em casa

os joelhos ainda esfolados
lambendo os dedos
procuro por compressas frias
oh céu brilhante do exílio
que terra
que tribo
produziu o teatrinho Troll colado à minha boca
onde é que fica essa tomada
onde desliga

sábado, 24 de março de 2018

sexta-feira, 23 de março de 2018

Dora Ferreira da Silva, "Agora, as coisas simples"


Agora, as coisas simples
antes cegas em nossos olhos.
E nada tocamos
mãos sobre as cordas mudas.
Se o som desperta é dele
o ouvido em flor. Mas corre o sangue
porque tudo é vivo sob as folhas mortas.
Sozinho se arma o acorde no piano
há surpresas na colheita deste ano, novos grãos na seara.
Sobre o braço em ângulo a fronte repousa
e o olhar reflete
uma flor.

quinta-feira, 22 de março de 2018

Alexei Bueno, "Enigma"


Certo mistério existe, indesvendado,
Escrito há eras sem conta, sobre os céus,
Por uma mão, talvez a mão de Deus,
Ressoando no criado e no incriado.

Para entendê-lo, deste e do outro lado
De tudo, angustiados como réus,
Demônios e anjos chocam-se nos seus
Vórtices, sem nenhum outro cuidado.

À volta dele os seres e as esferas
Inutilmente orbitam pelas eras
Na ânsia de desvelar a eles imposta.

Revolvem-se em legiões desamparadas,
Enquanto aqui, na noite, entre as calçadas,
És, e somente tu, sua resposta.

quarta-feira, 21 de março de 2018

terça-feira, 20 de março de 2018

Germana Zanettini, "para marielle"


como aceitar
que vá pra debaixo da terra
quem tinha nome de mar?

como suportar
o criminoso calar
de quem era a voz daqueles
que ninguém escuta?

como desejar
que descanse em paz
quem sempre foi de luta?





segunda-feira, 19 de março de 2018

Padre Antônio Thomaz, "Desenganos"


Muitas vezes sonhei nos tempos idos
Acalentando sonhos de ventura,
Então a voz da lira suave e pura
Era-me um gozo d'alma e dos sentidos.

Hoje, vejo meus sonhos convertidos
Num acervo de dor e de amargura
E percorro da vida a estrada escura
Recalcando no peito os meus gemidos...

E se tento cantar, como remédio
Minhas mágoas ao sombrio tédio
Que lentamente as forças me quebranta

Os sons que arranco à pobre lira agora
Mais parecem soluços de quem chora
Do que a doce toada de quem canta.

sábado, 17 de março de 2018

Ivan Junqueira, "Elogio de Plínio"


Nem um dia sem uma linha,
como se impunha o jovem Plínio
naquela Roma em que morria
o último estilo latino,
o da eloqüência bem nutrida
de que os escribas se serviam
em seus pedestres panegíricos.
Mas nem tanto. A lição de Plínio,
que se segue às de Horácio e Ovídio,
cujo estro se embebe em Virgílio,
já não é mais a do elogio,
e sim a do áspero exercício
da língua, do ritmo, da rima,
de tudo a que não renunciam
a fúria e o som da poesia.
Nem um dia sem uma linha,
sem uma dor, uma alegria,
sem um pensamento erradio
daquela vã filosofia
que se move em nós, escondida,
e faz da existência esse enigma
que é não termos princípio ou fim
e até mesmo nenhum sentido.

sexta-feira, 16 de março de 2018

Konstantinos Kaváfis












"No mesmo espaço"

Ambiente da casa, de locais muito frequentados, do bairro
que vejo e por onde ando: anos e anos.

Criei-te no meio de alegria, no meio de tristezas:
com tantas circunstâncias, com tantas coisas.

E te transformaste, inteiro, em sentimentos, para mim.

Tradução de Ísis Borges da Fonseca

quarta-feira, 14 de março de 2018

Sóror Violante do Céu, "Vida que não acaba de acabar-se"


Vida que não acaba de acabar-se,
chegando já de vós a despedir-se,
ou deixa por sentida de sentir-se,
ou pode de imortal acreditar-se.

Vida que já não chega a terminar-se,
pois chega já de vós a dividir-se,
ou procura vivendo consumir-se,
ou pretende matando eternizar-se.

O certo é, Senhor, que não fenece,
antes no que padece se reporta,
por que não se limite o que padece.

Mas, viver entre lágrimas, que importa?
Se vida que entre ausências permanece
é só vida ao pesar, ao gosto morta?

terça-feira, 13 de março de 2018

João Cabral de Melo Neto, "Cidade de nervos"


Qual o segredo de Sevilha?
Saber existir nos extremos
como levando dentro a brasa
que se reacende a qualquer tempo.
Tem a tessitura da carne
na matéria de suas paredes,
boa ao corpo que a acaricia:
que é feminina sua epiderme.
E tem o esqueleto, essencial
a um poema ou um corpo elegante,
sem o qual sempre se deforma
tudo o que é só de carne e sangue.
Mas o esqueleto não pode,
ele que é rígido e de gesso,
reacender a brasa que tem dentro:
Sevilha é mais que tudo, nervo.

domingo, 11 de março de 2018

Al Berto, "Diários"












26 MAR.1985                                     rua do forte

(nos maus poetas encontramos sempre a paixão como coisa realizável ou realizada.) a paixão é fulminate, desgrega-se mal se lhe toca. desfaz-se.

sábado, 10 de março de 2018

Cruz e Souza, "Alma fatigada"


Nem dormir nem morrer na fria Eternidade!
Mas repousar um pouco e repousar um tanto,
Os olhos enxugar das convulsões do pranto,
Enxugar e sentir a ideal serenidade.

A graça do consolo e da tranqüilidade
De um céu de carinhoso e perfumado encanto,
Mas sem nenhum carnal e mórbido quebranto,
Sem o tédio senil da vã perpetuidade.

Um sonho lirial d’estrelas desoladas
Onde as almas febris, exaustas, fatigadas
Possam se recordar e repousar tranqüilas!

Um descanso de Amor, de celestes miragens,
Onde eu goze outra luz de místicas paisagens
E nunca mais pressinta o remexer de argilas!

quinta-feira, 8 de março de 2018

Castro Alves, "Marieta"


Como o gênio da noite, que desata
o véu de rendas sobre a espada nua,
ela solta os cabelos... Bate a lua
nas alvas dobras de um lençol de prata.

O seio virginal que a mão recata,
embalde o prende a mão... cresce, flutua...
Sonha a moça ao relento... Além na rua
preludia um violão na serenata.

Furtivos passos morrem no lajedo...
Resvala a escada do balcão discreta...
Matam lábios os beijos em segredo...

Afoga-me os suspiros, Marieta!
Ó surpresa! ó palor! ó pranto! ó medo!
Ai! noites de Romeu e Julieta!...

quarta-feira, 7 de março de 2018

Ivan Junqueira, "Não virá"


Quando virá? Não virá nunca.
Será sempre a garra adunca
encravada em minha nuca.
Será sempre essa verruma
que a memória me perfura
e o pensamento me empurra
para o túmulo da dúvida.
Será, não o sol, mas a chuva
cujas gotas caem mudas
sobre o inútil latifúndio
onde tudo enfeza e murcha.
Será a alma na penumbra,
alheia ao êxtase e ao júbilo,
sobre si dobrada em ruga
e atenta apenas ao curso
do tempo e de suas curvas,
desse rio em cujo fluxo
somente uma vez mergulhas.
Será talvez, quando muito,
essa espera taciturna,
essa volúpia da luz
que soluça ao fim de um túnel
jamais percorrido a fundo.
Não virá, não virá nunca.
E lá estarás, ao crepúsculo,
sem esperanças nenhuma,
o rosto absorto, mediúnico,
sem mover sequer um músculo.

terça-feira, 6 de março de 2018

segunda-feira, 5 de março de 2018

Cecília Meireles










"Infância"

Levaram as grades da varanda
por onde a casa se avistava.
As grades de prata.

Levaram a sombra dos limoeiros
por onde rodavam arcos de música
e formigas ruivas.

Levaram a casa de telhado verde
com suas grutas de conchas
e vidraças de flores foscas.

Levaram a dama e o seu velho piano
que tocava, tocava, tocava
a pálida sonata.

Levaram as pálpebras dos antigos sonhos,
deixaram somente a memória
e as lágrimas de agora.

domingo, 4 de março de 2018

Abgar Renault, "Desarquitetura"


Desmancho a minha vida lentamente
numa desordenada desarquitetura,
que tem a mesma intimidade incoerente
da desordem ou da escondida, insuspeitável ordem
com que a ergui de fungível argamassa.

Da construção desconexa espalhada pelo chão
restam multifendidos zeros
que ainda guardarei e quero
recompor na aritmética do obscuro galpão.
Seus numerosos, ininteligíveis fragmentos,
talvez eu possa ainda em parcos momentos
(que teriam a duração de meio século)
reunir em sílabas, umas poucas sílabas consequentes,
e recontar a desarvorada construção que se elevou
em chão de breve argila entre tempestuosos andaimes.

Talvez do fragmentário espólio
seja possível recolher algum vivido número ou pensamento,
ainda legível sob a cinzenta caliça* que recobre milhares de horas,
ali gastas e já ocultas mortas, como este:
de insabidos destroços nos compomos e sobre eles nos erguemos, e acabamos.

* Caliça - Pó ou fragmentos de argamassa de cal resultantes da demolição ou reforma de uma obra de alvenaria.

sexta-feira, 2 de março de 2018

Al Berto, "há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida..."


há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida
pensava eu... como seriam felizes as mulheres
à beira mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcado

por vezes
uma gaivota pousava nas águas
outras era o sol que cegava
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentíssimos... sem ninguém

e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentada à porta... dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim envelheci... acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão

(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no coração.
mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)

um dia houve
que nunca mais avistei cidades crepusculares
e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta
inclino-me de novo para o pano deste século
recomeço a bordar ou a dormir
tanto faz
sempre tive dúvidas que alguma vez me visite a felicidade

quinta-feira, 1 de março de 2018

Alphonsus de Guimaraens, "Foi assim que eu a vi..."


Foi assim que eu a vi. Desse momento
a lembrança tranqüila vem-me do alto
- sonho de rosas num país nevoento,
de que afinal acordo em sobressalto.

Fugiu-me essa visão: de novo tento
firmar os passos para um novo assalto.
Mas que farás, pobre homem sem alento,
tu, cego da alma e de coragem falto!

Que farás, coração que te magoas,
na tua timidez contemplativa,
só, tão longe das almas que são boas!

Que farás, alma, tu que louca e pasma,
seguindo embora o rastro de uma viva,
beijas os passos longos de um fantasma!