terça-feira, 30 de abril de 2013
Adolfo Casais Monteiro, "Toco-te e és verdade"
Toco-te, e és verdade.
mas não serás em breve
o tempo que passou?
Agora tua cabeça
pousando no meu ombro
não mente: és bem presente,
passarinho vivo
no meu ramo pousado.
Mas logo voarás
e sumirão no escuro
o ramo mais a árvore...
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segunda-feira, 29 de abril de 2013
domingo, 28 de abril de 2013
José Alberto Marques, "Post-cópula"
agora, descanso sobre o branco.
húmido de pele húmida.
sereno. contemplando.
prostrada, na estrada
do leito jaz o jazz:
a mulher minha música
o vidro, os meus olhos vidrados
reflectem os seios. o teu peito adormecido.
deitada assistes.
o tempo arrefece.
meto os braços no metal
ou areia ou pano.
os olhos abrem desmedidamente o silêncio.
cantas prostrada, adormecendo.
os sexos tocados
de espanto
são arvoredos, agora distante.
amamos o destino.
sereno. serena.
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sábado, 27 de abril de 2013
Jacinta Passos
"Os muros"
Minha cidade tem muros
de pedra, cimento e cal
tem muros que são tribunas,
painéis, cartilha e coral.
de pedra, cimento e cal
tem muros que são tribunas,
painéis, cartilha e coral.
Quem de noite faz as letras
que aparecem de manhã?
que aparecem de manhã?
Será a mão do poeta
ou a mão da tecelã?
Viva Luiz Carlos Prestes!
O petróleo é nosso!
Fora com os americanos!
A polícia apaga e as letras
aparecem de manhã.
Será a mão do poeta
ou a mão da tecelã?
Minha cidade tem muros
brancos, cinzentos, de cores,
riscos de piche e carvão,
ó, pintores, vinde ver!
aparecem de manhã.
Será a mão do poeta
ou a mão da tecelã?
Minha cidade tem muros
brancos, cinzentos, de cores,
riscos de piche e carvão,
ó, pintores, vinde ver!
Vinde ler a história escrita
nos muros, cada manhã.
Será a mão do poeta
ou a mão da tecelã?
Copiado do blog http://passosdejacinta.blogspot.com.br
nos muros, cada manhã.
Será a mão do poeta
ou a mão da tecelã?
Copiado do blog http://passosdejacinta.blogspot.com.br
sexta-feira, 26 de abril de 2013
quinta-feira, 25 de abril de 2013
Cecília Meireles, "Inscrição"
Quem se deleita em tornar minha vida impossível
por todos os lados?
Certamente estás rindo de longe,
ó encoberto adversário!
Mas a minha paciência é mais firme
que todas as sanhas da sorte;
mais longa que a vida, mais clara
que a luz no horizonte.
Passeio no gume de estradas tão graves
que afligem o próprio inimigo.
À mim, que me importam espécies de instantes,
se existo infinita?
quarta-feira, 24 de abril de 2013
Eugénio de Andrade, "Entre o primeiro e o último crepúsculo"
Eu tinha dois ou três anos, tenho agora sessenta, e o apelo da luz é o mesmo, como se dela tivesse nascido e só a ela não pudesse deixar de regressar. Entre o primeiro crepúsculo e o último, sempre o corpo todo se deixou penetrar pelo ardor que se fazia carícia nessa parte mais diáfana e imponderável do ser, e a que se não lhe chamarmos luz também, nunca saberemos que nome dar.
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terça-feira, 23 de abril de 2013
segunda-feira, 22 de abril de 2013
Vinícius de Moraes, "Poética (II)"
Com as lágrimas do tempo
E a cal do meu dia
Eu fiz o cimento
Da minha poesia.
E na perspectiva
Da vida futura
Ergui em carne viva
Sua arquitetura.
Não sei se é casa
Se é torre ou se é templo:
(Um templo sem Deus.)
Mas é grande e clara
Pertence ao seu tempo
- Entrai, irmãos meus!
domingo, 21 de abril de 2013
Augusto Frederico Schmidt, "A paz dos túmulos"
Oh! paz dos túmulos
Oh! frio das tardes invernais nos cemitérios
Oh! mármores gelados, rosas frias, Cristos de gelo, como vos espero!
Quando serei silêncio e frio apenas?
Quando serei apenas o íntimo da terra?
Quando, enfim, dormirei em paz - na álgida paz?
Oh! vento que matais as rosas, vento frio!
Quando me levareis mudado em poeira?
Quando me levareis pelas ruas,
Quando me levareis em mim mesmo mudado
Para o grande mar, o grande mar, o grande mar...
álgida - adj. Muito fria.
sábado, 20 de abril de 2013
sexta-feira, 19 de abril de 2013
Miguel Torga, "Esperança"
Quero que sejas
A última palavra
Da minha boca.
A mortalha de sol
Que me cubra e resuma.
Mas como à despedida só há bruma
No entendimento,
E o próprio alento
Atraiçoa a vontade,
Grito agora o teu nome aos quatro ventos.
Juro-te, enquanto posso, lealdade
Por toda a vida e em todos os momentos.
quinta-feira, 18 de abril de 2013
Alphonsus de Guimaraens, "A catedral"
Entre brumas, ao longe, surge a aurora.
O hialino* orvalho aos poucos se evapora.
Aos poucos agoniza o arrebol.
A catedral ebúrnea** do meu sonho
Aparece, na paz do céu risonho,
Toda branca de sol.
E o sino canta em lúgubres responsos***:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
O astro glorioso segue a eterna estrada.
Umas áurea seta lhe cintila em cada
Refulgente raio de luz.
A catedral ebúrnea do meu sonho,
Onde os meus olhos tão cansados ponho,
Recebe a benção de Jesus.
E o sino clama em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
Por entre lírios e lilazes desce
A tarde esquiva: amargurada prece
Põe-se a lua a rezar.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece na paz do céu tristonho,
Toda branca de luar.
E o sino chora, em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
O céu é todo trevas: o vento uiva.
Do relâmpago a cabeleira ruiva
Vem açoitar o rosto meu.
E a catedral ebúrnea do meu sonho
Afunda-se no caos do céu medonho
Como um astro que já morreu.
E o sino geme em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus!Pobre Alphonsus!"
* Hialino - adj. Que tem a transparência ou aspecto de vidro.
** Ebúrnea - adj. De marfim; alvo e liso como o marfim.
*** Responso - s.m. Palavras pronunciadas ou cantadas nos ofícios da Igreja católica, alternadamente por uma ou mais vozes de uma parte, e pelo coro, como representante da assistência, de outra parte.
Fam. Descompostura, ralho.
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quarta-feira, 17 de abril de 2013
terça-feira, 16 de abril de 2013
João Cabral de Melo Neto, "A travessia do Atlântico"
A dez mil metros de altura
vai o homem no seu avião.
Sabe que vai mas não sabe
se vai de avião ou caixão.
Não tem medo. É como um triulho
o tubo vertiginoso,
o projétil disparado
que o leva dentro do bojo.
Nada há em volta que marque
que vai, que vai num veículo;
não sente percorrer nada,
vai, tempo e espaço abolidos.
É natural que não saiba
se vai de avião ou de caixão:
livre do tempo e do espaço
vai no imóvel que não dão.
segunda-feira, 15 de abril de 2013
Maria Victoria Atencia, "Epitáfio para uma jovem"
Porque te foi negado o tempo da ventura
teu coração descansa já tão alheio às rosas.
Teu sangue e carne foram teu vestido mais rico
e a terra nunca soube o firme de teus passos.
Aqui começa e acaba tua semeadura
- tal se enterra um vencido no final do combate -
onde em novembro a água tua ternura embeba
e o latido de um cão tenha voz de presságio.
Tua vida toda quieta sob o tacto da morte,
que as sementes domina, cerceando seus gomos,
tu ficastes em botão por abrir, nunca mais
conhecerás o estalido floral da primavera.
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domingo, 14 de abril de 2013
sábado, 13 de abril de 2013
Fernando Guimarães, "Arte poética"
Tu lês este poema. E para quê?
Que procuras tu nele? O movimento
dos mesmos lábios, sombra que se vê
cair sobre as palavras, o tão lento
bafo animal pela atmosfera fria
ou talvez, junto a um rio, esta viagem
que ignoramos, e cerca a noite e o dia
com outra face? A metáfora, a imagem?
Lê o poema, escuta a própria voz
dele, que não é minha, e só existe em nós.
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sexta-feira, 12 de abril de 2013
Alexandre O'Neill
"Toma lá cinco!"
Encolhes os ombros, mas o tempo passa...
Ai, afinal, rapaz, o tempo passa!
Um dente que estava são e agora não,
Um cabelo que ainda ontem preto era,
Dentro do peito um outro, sempre mais velho coração,
E na cara uma ruga que não espera, que não espera...
No andar de cima, uma nova criança
Vai bater no teu crânio os pequeninos pés.
Mas deixa lá, rapaz, tem esperança:
Este ano talvez venhas a ser o que não és...
Talvez sejas de enredo fácil presa,
Eterno marido, amante de um só dia...
Com clorofila ficam teus dentes que é uma beleza!
Mas não rias, rapaz, que o ano só agora principia...
Talvez lances de amor um foguetão sincero
Para algum coração a milhões de anos-dor
Ou desesperado te resolvas por um mero
Tiro na boca, mas de alcance maior...
Grande asneira, rapaz, grande asneira seria
Errar a vida e não errar a pontaria...
Talvez te deixes por uma vez de fitas,
De versos de mau hálito e mau sestro,
E acalmes nas feias o ardor pelas bonitas
(Como mulheres são mais fiéis, de resto...)
quarta-feira, 10 de abril de 2013
terça-feira, 9 de abril de 2013
Ferreira Gullar, "Inseto"
Um inseto é mais complexo que um poema
Não tem autor
Move-o uma obscura energia
Um inseto é mais complexo que uma hidrelétrica
Também mais complexo
que uma hidrelétrica
é um poema
(menos complexo que um inseto)
e pode às vezes
(o poema)
com sua energia
iluminar a avenida
ou que sabe
uma vida
segunda-feira, 8 de abril de 2013
Mário Cesariny
"Faz-me o favor..."
Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada!
Supor o que dirá
Tua boca velada
É ouvir-te já.
É ouvir-te melhor
Do que o dirias.
O que és não vem à flor
Das caras e dos dias.
Tu és melhor -- muito melhor!
Do que tu. Não digas nada. Sê
Alma do corpo nu
Que do espelho se vê.
domingo, 7 de abril de 2013
sábado, 6 de abril de 2013
Ricardo Reis (Fernando Pessoa)
"Uns"
Uns, com os olhos postos no passado,
Veem o que não veem; outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, veem
O que não pode ver-se.
Por que tão longe ir por o que está perto –
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.
Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto*
Em que vivemos, morreremos. Colhe
O dia, porque és ele.
* Hausto - s.m. Gole, sorvo, trago.
Na medicina - remédio líquido tomado como poção.
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sexta-feira, 5 de abril de 2013
Fiama Hasse Pais Brandão, "Só a rajada de vento..."
Só a rajada de vento
dá o som lírico
às pás do moinho.
Somente as coisas tocadas
pelo amor das outras
têm voz.
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quinta-feira, 4 de abril de 2013
quarta-feira, 3 de abril de 2013
Cristovam Pavia, "Não fugir..."
ao Nuno
Não fugir. Suster o peso da hora
Sem palavras minhas e sem os sonhos,
Fáceis, e sem as outras falsidades.
Numa espécie de morte mais terrível
Ser de mim despojado, ser
Abandonado aos pés como um vestido.
Sem pressa atravessar a asfixia.
Não vergar. Suster o peso da hora
Até soltar sua canção intacta.
terça-feira, 2 de abril de 2013
Jorge Luis Borges
"A Johannes Brahms"
Eu, que sou um intruso no jardim
Que prodigaste à plural memória
Do futuro, ansiei cantar a glória
Que erigem teus violinos no azul sem fim.
Agora desisti. Para honrar-te
Não basta essa miséria que a gente
Usa chamar com presunção de arte.
Quem te honre há de ser nobre e valente.
Sou um covarde. Sou um triste. Nada
Poderá justificar esta ousadia
De cantar a magnífica alegria
- Fogo e cristal - de tua alma enamorada.
Minha servidão é a palavra impura,
De um conceito e de um som é o rebento;
Nem símbolo nem espelho nem lamento,
Teu é o rio que foge e que perdura.
segunda-feira, 1 de abril de 2013
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