terça-feira, 31 de maio de 2011

4º Movimento do Quarteto nº 23, de Mozart, K590, com o ELYX Quartet


Eugenio Montale, "Repenso o teu sorriso ..."

                                                                                   a K.

Repenso o teu sorriso e é para mim como uma água límpida
retida por acaso entre as pedras de um rio,
exíguo espelho onde contemplas uma hera e seus corimbos;
e tudo sob o abraço de um branco céu tranquilo.

Esta é a minha lembrança; não sei dizer, faz muito tempo,
se de teu rosto surge livre uma alma ingênua,
ou se em verdade és dos errantes que o mal do mundo exaure
e o sofrimento carregam como um talismã.

Mas posso dizer-te isto, que teu rosto recordado
afoga a mágoa inconstante numa onda de calma,
e que tua figura se insinua em minha memória nevoenta
imaculada como a copa de uma jovem palmeira ...

Tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Konstantinos Kaváfis, "Da escola do renomado filósofo"

Foi discípulo de Amônio Saccás por dois anos;
mas fartou-se da filosofia e de Saccás.

Em seguida, entrou na política.
Mas abandonou-a. Eparco era tolo;
e aqueles que o rodeavam, palermas, solenes, de ar grave;
extremamente bárbaro o grego deles, os miseráveis.

A igreja atraiu um pouco
sua curiosidade: batizar-se
e tornar-se cristão. Depressa, porém,
mudou de opinião. Seguramente se indisporia
com seus pais, ostensivmente pagões;
e cortar-lhe-iam - coisa horrível -
de imediato seus subsídios assaz generosos.

Ele devia contudo fazer algo. Tornou-se frequentador
das casas de depravação de Alexandria,
de cada refúgio secreto de libertinagem.

O destino pareceu-lhe nisso favorável:
tinha-lhe dado uma fisionomia bela em extremo.
E ele desfrutava o divino dom.

Ao menos por dez anos ainda
sua beleza duraria. Depois -
talvez fosse de novo ao Saccás,
e se nesse ínterim o velho tivesse morrido,
iria a um outro filosofo ou sofista:
sempre se encontra alguém que convém.

Ou enfim, também era possível que retornasse
à política - lembrando de maneira louvavel
suas tradições familiares,
o dever para com a pátria, e outras sonoras coisas semelhentes.

Tradução de Ísis Borges da Fonseca.

sábado, 28 de maio de 2011

Vinícius de Moraes, "A hora íntima"

Quem pagará o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?
Quem, dentre amigos, tão amigo
Para estar no caixão comigo?
Quem, em meio ao funeral
Dirá de mim: — Nunca fez mal...
Quem, bêbado, chorará em voz alta
De não me ter trazido nada?
Quem virá despetalar pétalas
No meu túmulo de poeta?
Quem jogará timidamente
Na terra um grão de semente?
Quem elevará o olhar covarde
Até a estrela da tarde?
Quem me dirá palavras mágicas
Capazes de empalidecer o mármore?
Quem, oculta em véus escuros
Se crucificará nos muros?
Quem, macerada de desgosto
Sorrirá: — Rei morto, rei posto...
Quantas, debruçadas sobre o báratro
Sentirão as dores do parto?
Qual a que, branca de receio
Tocará o botão do seio?
Quem, louca, se jogará de bruços
A soluçar tantos soluços
Que há de despertar receios?
Quantos, os maxilares contraídos
O sangue a pulsar nas cicatrizes
Dirão: — Foi um doido amigo...
Quem, criança, olhando a terra
Ao ver movimentar-se um verme
Observará um ar de critério?
Quem, em circunstância oficial
Há de propor meu pedestal?
Quais os que, vindos da montanha
Terão circunspecção tamanha
Que eu hei de rir branco de cal?
Qual a que, o rosto sulcado de vento
Lançara um punhado de sal
Na minha cova de cimento?
Quem cantará canções de amigo
No dia do meu funeral?
Qual a que não estará presente
Por motivo circunstancial?
Quem cravará no seio duro
Uma lâmina enferrujada?
Quem, em seu verbo inconsútil
Há de orar: — Deus o tenha em sua guarda.
Qual o amigo que a sós consigo
Pensará: — Não há de ser nada...
Quem será a estranha figura
A um tronco de árvore encostada
Com um olhar frio e um ar de dúvida?
Quem se abraçará comigo
Que terá de ser arrancada?
Quem vai pagar o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Jorge de Lima, Poema VIII, do Canto V, da "Invenção de Orfeu"

Estão aqui as pobres coisas: cestas
esfiapadas, botas carcomidas, bilhas
arrebentadas, abas corroídas,
com seus olhos virados para os que

as deixaram sózinhas, desprezadas,
esquecidas com outras coisas, sejam:
búzios, conchas, madeiras de naufrágio,
penas de ave e penas de caneta,

e as outras pobres coisas, pobres sons,
coitos findos, engulhos, dramas tristes,
repetidos, monótonos, exaustos,

visitados tão só pelo abandono,
tão só pela fadiga em que essas ditas
coisas goradas e orfãs se desgastam.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Fernando Pessoa, "Mar Português"

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.

Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Ferreira Gullar, "Subversiva"


A poesia
quando chega
                     não respeita nada.
Nem pai nem mãe.
                      Quando ela chega
de qualquer de seus abismos
desconhece o Estado e a Sociedade Civil
infringe o Código de Águas
                                        relincha
como puta
         nova
em frente ao Palácio da Alvorada.

E só depois
reconsidera: beija
                   nos olhos os que ganham mal
                   embala no colo
                   os que tem sede de justiça

E promete incendiar o país.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

domingo, 22 de maio de 2011

Al Berto















"Dizem que a paixão o conheceu ..."

Dizem que a paixão o conheceu
mas hoje vive escondido nuns óculos escuros
senta-se no estremecer da noite enumera
o que lhe sobejou do adolescente rosto
turvo pela ligeira náusea da velhice

Conhece a solidão de quem permanece acordado
quase sempre estendido ao lado do sono
pressente o suave esvoaçar da idade
ergue-se para o espelho
que lhe devolve um sorriso tamanho do medo

Dizem que vive na transparência do sonho
à beira-mar envelheceu vagarosamente
sem que nenhuma ternura nenhuma alegria
nunhum ofício cantante
o tenha convencido a permanecer entre os vivos

sábado, 21 de maio de 2011

A CINZA DAS HORAS, de Manuel Bandeira


















Manuel Bandeira publicou "A Cinza das Horas", seu primeiro livro, em 1917. Era uma edição de 200 exemplares custeada pelo autor. Acredito que o livro não tenha sobrevivido por sí, mas pela importância que MB passou a ter na literatura de língua portuguesa.

Antônio Cândido diz que esse livro faria parte do estilo que ele chama de "Penumbrismo"

Mesmo assim, gosto de alguns poemas que provavelmente teriam se perdido, como soe acontecer com a maioria do que é editado.

No "Itinerário de Passargada", que é visto como uma pequena autobiografia literária, assim MB escreve:

"O meu primeiro livro viria a ser impresso no Brasil, nas oficinas do Jornal do Comércio, dirigidas então pelo simpático Rios, homem gordo, bonachão e paciente com os poetas estreantes que queriam subverter as normas tradicionais da arte tipográfica. A tiragem foi de apenas duzentos exemplares e custou trezentos mil-réis... Bons tempos!

A Cinza das Horas não continha tudo o que eu havia escrito até 1917, data da publicação. Fizera eu uma escolha, preferindo os poemas que me pareciam ligados pela mesma tonalidade de sentimento, pelas mesmas intenções de fatura. O sentimento ia resumido, programado por assim dizer, nos versos, já transcritos, de Maeterlinck. A fatura já não era de modelo parnasiano e sim simbolista, mas de um simbolismo não muito afastado do velho lirismo português. Os sonetos a Camões e a Antônio Nobre são claros indícios disto. Nada tenho para dizer desses versos, senão que ainda me parecem hoje, como me pareciam então, não transcender a minha experiência pessoal, como se fossem simples queixumes de um doente desenganado, coisa que pode ser comovente no plano humano, mas não no plano artístico. No entanto, publiquei o livro, ainda que sem intenção de começar carreira literária: desejava apenas dar-me a ilusão de não viver inteiramente ocioso.

Não fiz grande distribuição do folheto, senão entre parentes e amigos. E um dos motivos foi que, tendo mandado um exemplar a Bilac, não recebi nenhuma resposta. Como na ocasião tivesse conhecido em Petrópolis a Flexa Ribeiro e a Leal de Sousa, ofereci-lhes o volume. Foram eles muito amáveis comigo. O primeiro dedicou-me todo um rodapé na Notícia, onde colaborava semanalmente; e o segundo meia página da Careta. Américo Facó escreveu uma nota na Fon-Fon, assinalando as raízes portuguesas do meu lirismo. José Oiticica, que fazia crítica literária, não me lembra agora em que jornal, ocupou-se do livro lisonjeiramente, transcrevendo, entre outras coisas, o soneto “Um Sorriso”. Afonso Lopes de Almeida escreveu na edição vespertina do Jornal do Comércio, com afetuoso carinho de amigo, o primeiro que fiz no mundo literário. No mesmo jornal fui saudado em comprido artigo por Castro Meneses. Mas a crítica mais desvanecedora, por inesperada, foi a de João Ribeiro no Imparcial. Não tratou naquele dia senão do meu livro e deu ao artigo o título “A Poesia Nova”. Começava assim: “Eis aqui um excelente e verdadeiro poeta. Por que verdadeiro e excelente? Eis também uma questão de resposta difícil.” Mais adiante dizia: “A Cinza das Horas, pequenino volume, é neste momento um grande livro. De tal arte nos havíamos estragado o gosto com o abuso das convenções, dos artifícios e das nigromâncias mais esdrúxulas, que esta volta à simplicidade e ao natural é uma consolação reparadora e saudável.” Transcrevendo a “Canção de Maria”, comentava: “... soa aos meus ouvidos como se fossem voltas e redondilhas camonianas. Têm a mesma suavidade e frescor que ainda conservam as do extraordinário lírico português.” Temperava esses elogios, tão cordiais, com uma advertência onde havia uma lição admirável e que muito me valeu: “Na Cinza das Horas há ainda uma ou outra rara poesia que parece um funesto tributo às manias reinantes. É, todavia, exceção rara, sendo quase tudo de uma arte primorosa, daquela melodia ingênita que Carlyle atribuía a todas as coisas do coração. Os elementos de sua arte são simples como as coisas eternas: céu, água e uma voz errante bastam aos seus quadros:

És como um lírio
Nascido ao pôr-do-sol à beira d’água
Numa paisagem triste, onde cantava um sino...

João Ribeiro não transcreveu a quadra completa, que era assim:

“És como um lírio alvo e franzino
Nascido ao pôr-do-sol à beira d’água
Numa paisagem triste, onde cantava um sino
A de nascer inconsolável mágoa...”

Era como se o mestre dissesse: “Nesse poema de oito versos o que importa como poesia são as palavras que transcrevi: o resto é enchimento, é matéria morta, que deve ser alijada.” Meditei na lição e até hoje em toda poesia que escrevo me lembro dela e procuro só pronunciar as palavras essenciais".


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Gostaria de destacar a consideração que MB faz sobre o conceito do artístico:
"Nada tenho para dizer desses versos, senão que ainda me parecem hoje, como me pareciam então, não transcender a minha experiência pessoal, como se fossem simples queixumes de um doente desenganado, coisa que pode ser comovente no plano humano, mas não no plano artístico".

Essa diferença entre o confessional e o artístico ainda hoje é confusa para muitos. E, apesar da sua autoavaliação negativa, acho que em alguns poemas (ou partes deles), MB ultrapassa o tom confessional e já apresenta alguns achados e soluções poéticas bem elaboradas.

Aliás, embora sua importância na literatura brasileira venha de poemas em que ele rompe com a forma dos poemas deste livro, MB nunca o renegou.

Também acho deliciosamente sincera sua confissão de que publicou o livro sem intenção de começar carreira literária, mas apenas para se dar a ilusão de não viver inteiramente ocioso.


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"DESENCANTO

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
deixando um acre sabor na boca.
- Eu faço versos como quem morre".


Teresópolis, 1912.

É o segundo poema do livro, e a escolha dessa posição não deve ter sido aleatória. Gosto dele pela unidade da amargura e tristeza confessadas; o poema começa amargo e triste, prossegue do mesmo modo, e termina ainda pior, pois se no início o autor fazia versos como quem chora, no final já os faz como quem morre.

Acho que o tom quase mórbido deriva diretamente do seu estado de saúde, pois a tuberculos era uma doença normalmente fatal àquela época. Sobretudo se consideramos que, sendo datado de 1912, é anterior a sua estadia em Clavadel.

Mas penso que, originalmente, teria a forma de um soneto, pois os dois primeiros quartetos tem uma ligação muito forte, mas, entre eles e o quarteto final parece-me que falta alguma coisa. Há uma certa descontinuidade. Talvez existisse uma outra estrofe que ele não conseguiu "resolver" adequadamente, sendo forçado a suprimí-la na revisão final, pois o último quarteto tem o estilo conclusivo de um terceto final de soneto.

É interessante que é datado de 1912, antes da sua temporada em Clavadel, e cinco anos antes da publicação deste primeiro livro, mas já faz menção a um livro:"...Fecha o meu livro, se por agora..."
Destaque-se, também, o final:" - Eu faço versos como quem morre".

Aliás, a coda será sempre muito utilizada pelo poeta.


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"PAISAGEM NOTURNA

A sombra imensa, a noite infinita enche o vale . . .
E lá do fundo vem a voz
Humilde e lamentosa
Dos pássaros da treva. Em nós,
— Em noss'alma criminosa,
O pavor se insinua . . .
Um carneiro bale.
Ouvem-se pios funerais.
Um como grande e doloroso arquejo
Corta a amplidão que a amplidão continua . . .
E cadentes, metálicos, pontuais,
Os tanoeiros do brejo,
— Os vigias da noite silenciosa,
Malham nos aguaçais.

Pouco a pouco, porém, a muralha de treva
Vai perdendo a espessura, e em breve se adelgaça
Como um diáfano crepe, atrás do qual se eleva
A sombria massa
Das serranias.

O plenilúnio via romper . . . Já da penumbra
Lentamente reslumbra
A paisagem de grandes árvores dormentes.
E cambiantes sutis, tonalidades fugidias,
Tintas deliqüescentes
Mancham para o levante as nuvens langorosas.

Enfim, cheia, serena, pura,
Como uma hóstia de luz erguida no horizonte,
Fazendo levantar a fronte
Dos poetas e das almas amorosas,
Dissipando o temor nas consciências medrosas
E frustrando a emboscada a espiar na noite escura,
— A Lua
Assoma à crista da montanha.
Em sua luz se banha
A solidão cheia de vozes que segredam . . .

Em voluptuoso espreguiçar de forma nua
As névoas enveredam
No vale. São como alvas, longas charpas
Suspensas no ar ao longe das escarpas.
Lembram os rebanhos de carneiros
Quando,
Fugindo ao sol a pino,
Buscam oitões, adros hospitaleiros
E lá quedam tranqüilos ruminando . . .
Assim a névoa azul paira sonhando . . .
As estrelas sorriem de escutar
As baladas atrozes
Dos sapos.

                                            E o luar úmido . . . fino . . .
Amávico . . . tutelar . . .
Anima e transfigura a solidão cheia de vozes . . .
"

Teresópolis, 1912

É um poema descritivo.
Quanto à temática, é o misticismo inicial o que mais aprecio.
Não é um misticismo oriundo de uma religião ou por ela resolvido, mas em estado bruto. É o medo da noite e seus ruídos diante do "homem só".

Inicialmente, não existe a intenção de compreender nada, é a constatação passiva do poder da noite sem hierarquias e explicações racionais ou mitológicas, e sem um Deus para organizar a vida ou aliviar o sentimento do medo da escuridão e do desconhecido.

A única interferência no medo da noite também vem da natureza: A Lua.
Mas, aí, aparece uma lua humanizada, amiga dos poetas, das almas amorosas, que dissipa o temor nas consciências medrosas e frustra a emboscada a espiar na noite escura (não a posterior "Coisa em sí, - Satélite").
Neste momento também lemos a única interferência religiosa, que vem do belo verso com esta imagem de referência católica:
"Como uma hóstia de luz erguida no horizonte".

A partir da lua, o poema abandona suas trevas e assume um tom lírico, com uma quase esperança confirmada no seu encerramento:

                                            "E o luar úmido . . . fino . . .
Amávico . . . tutelar . . .
Anima e transfigura a solidão cheia de vozes . . .


Ou seja, a solidão e as vozes continuam, embora já animadas e transfiguradas devido à lua.

Quanto à técnica do verso, eu aprecio muito esse estilo intermediário entre os versos livre e o rimado (que também utilizo nos meus poemas); é um texto quase em prosa disposto em versos, sem métrica, e apenas com algumas rimas pontuais para dar ritmo e realçar algumas passagens. MB diria, mais tarde sentir horror a esse estilo meio-termo.

A palavra "Amávica", no penultimo verso, eu não achei na internet nem no Aurélio. Mas acredito que seja alguma forma derivada ou criada a partir de amável, ou amante.

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"VERSOS ESCRITOS N'ÁGUA

Os poucos versos que aí vão,
Em lugar de outros é que os ponho.
Tu que me lês, deixo ao teu sonho
Imaginar como serão.

Neles porás tua tristeza
Ou bem teu júbilo, e, talvez,
Lhes acharás, tu que me lês,
Alguma sombra de beleza...

Quem os ouviu não os amou.
Meus pobres versos comovidos!
Por isso fiquem esquecidos
Onde o mau vento os atirou.
"

O que eu admiro nesse pequeno poema é o artifício de composição; a sacada.
Nele, lemos um poema onde o poeta nos avisa que os versos eram outros, e que ele colocou estes no lugar daqueles, e diz que deixa ao sonho do leitor imaginar como aqueles serão. E prossegue sugerindo-nos que, ao imaginá-los, neles coloquemos um pouco de tristeza ou júbilo, porque, assim, talvez achemos alguma sombra de beleza.

E, por fim, explica-nos que o motivo de tê-los trocado: por eles, sua musa não se interessou:"Quem os ouviu não os amou".

Acho que os três últimos versos do quarteto final são dispensáveis.
Mas a sacada é ótima.

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"INSCRIÇÃO

Aqui, sob esta pedra, onde o orvalho roreja,
Repousa, embalsamado em óleos vegetais,
O alvo corpo de quem, como uma ave que adeja,
Dançava, descuidosa, e hoje não dança mais...

Quem não a viu é bem provável que não veja
Outro conjunto igual de partes naturais.
Os véus tinham-lhe ciúme. Outras, tinham-lhe inveja.
E ao fitá-la os varões tinham pasmos sensuais.

A morte a surpreendeu um dia que sonhava,
Ao pôr do sol, desceu entre sombras fiéis
À terra, sobre a qual tão de leve pesava...

Eram as suas mãos mais lindas sem anéis...
Tinha os olhos azuis.... Era loura e dançava....
Seu destino foi curto e bom...
                                                        - Não a choreis.
"

Gosto deste soneto. E nem sei porque gosto tanto.
É o mito da mulher bonita e desejada, que vive intensamente e morre jovem. Também creio que é uma homenagem dele à coragem das pessoas que correm o risco de viver pouco, trocando a longevidade pela intensidade; coragem que ele aparentemente não teve.

Infelizmente, o soneto não está datado.

Mas me parece bem construído, e a coda é interessante:
"- Não a choreis".
.
"Sua vida desregrada não merece o nosso choro ?" ou "Não choremos por quem foi feliz usufruindo a vida ?"
Na fábula da Formiga e a Cigarra, ela não seria a formiga trabalhadora.

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"PLENITUDE

Vai alto o dia. O sol a pino ofusca e vibra.
O ar é como de forja. A força nova e pura
Da vida embriaga e exalta. E eu sinto, fibra a fibra,
Avassalar-me o ser a vontade da cura.

A energia vital que no ventre profundo
Da Terra estuante ofega e penetra as raízes,
Sobe no caule, faz todo galho fecundo
E estala na amplidão das ramadas felizes,

Entra-me como um vinho acre pelas narinas...
Arde-me na garganta... E nas artérias sinto
O bálsamo aromado e quente das resinas
Que vem na exalação de cada terebinto.

O furor de criação dionisíaco estua
No fundo das rechãs, no flanco das montanhas,
E eu observo-o nos sons, na glória da luz crua
E ouço-o ardente bater dentro de minhas entranhas.

Tenho êxtase de santo... Ânsias para a virtude...
Canta em minh'alma absorta um mundo de harmonias.
Vêm-me audácias de herói... Sonho o que jamais pude
- Belo como Davi, forte como Golias...

E neste curto instante em que me exalto
de tudo o que não sou, gozo o que invejo,
E nunca o sonho humano assim subiu tão alto
Nem flamejou mais bela a chama do desejo.

E tudo isso me vem em vós, Mãe Natureza!
Vós que cicatrizais minha velha ferida ...
Vós que me dais o grande exemplo de beleza
E me dais o divino apetite da vida.
"

Clavadel, 1914

O que gosto nesse poema, escrito em Clavadel, é o entusiasmo, um sentimento raro de se encontrar na sua obra normalmente triste, descrente e cética.
É uma ode à força da natureza e à vida.

Como sabemos da sua luta com a tuberculose, fica nítido que a origem do poema é real e autobiográfica; não é um exercício poético. E, sendo real, fica mais difícil ainda administrar artisticamente o impulso criador sem ceder totalmente à realidade, mas deixando que o sentimento poético a envolva.

Quem já esteve doente e se curou sabe que, no momento em que começamos a nos convencer da possibilidade do restabelecimento, cresce um entusiasmo e uma confiança muito forte. Imagino que, sobretudo, para quem já está desenganado. No poema, sinto isso no verso: "E ouço-o ardente bater dentro de minhas entranhas"

O momento em que ele festeja o reencontro com sua energia é muito bonito e interessante pelo achado de juntar Davi com Golias no mesmo verso, assim como as afirmações sobre as audácias de herói, os sonhos que jamais pode ter, sua exaltação de tudo que não é, e o seu gozo de tudo que inveja, indicando que já anteve e confia na cura:

"Vêm-me audácias de herói... Sonho o que jamais pude
- Belo como Davi, forte como Golias...

E neste curto instante em que me exalto
de tudo o que não sou, gozo o que invejo,"


E, como no poema ele considera que sua cura vem da natureza, vem da "energia vital que no ventre profundo da Terra estuante ofega e penetra as raízes", termina homenageando-a:

"E tudo isso me vem de vós, Mãe Natureza!
Vós que cicatrizais minha velha ferida ...
Vós que me dais o grande exemplo de beleza
E me dais o divino apetite da vida".


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"NATAL

Penso em Natal. No teu Natal. Para a bondade
A minh'alma se volta. Uma grande saudade
Cresce em todo o meu ser magoado pela ausência.
Tudo é saudade... A voz dos sinos... A cadência
Do rio... E esta saudade é boa como um sonho!
E esta saudade é um sonho... Evoco-te... Componho
O ambiente cuja luz os teus cabelos douram.
Figuro os olhos teus, tristes como eles foram
No momento final de nossa despedida...
O teu busto pendeu como um lírio sem vida,
E tu sonhas, na paz divina do Natal...
Ó minha amiga, aceita a carícia filial
De minh'alma a teus pés humilhada de rastos.
Seca o pranto feliz sobre os meus olhos castos...
Ampara a minha fronte, e que a minha ternura
Se torne insexual, mais do que humana - pura
Como aquela fervente e benfazeja luz
Que Madalena viu nos olhos de Jesus..."


Clavadel, 1913

O que me atrai nesse poema é sua temática e seu final.
Me parece que no natal, MB lembra de um natal específico passado com uma mulher com quem teve uma relação bastante carnal (conforme sugerido nos dois últimos versos), mas que, agora, a memória a traz como saudade e sentimento de amizade.

Uma amizade que pode até ser ainda mais casta por não trazer um tesão sexual mal resolvido, pois o desejo, que havia, consumado foi.
É a saudade da amizade do ex-amor, que, aliás, é bastante raro.

É bonito quando ele diz: "Seca o pranto feliz sobre os meus olhos castos...!"

E mais bonito ainda quando continua:
"...e que a minha ternura
Se torne insexual, mais do que humana - pura"


E o final, além de ser um feliz achado, também dá a pista da carnalidade que havia na relação, pois ao desejar que sua ternura se torne pura, indica que, no passado, pura não era.

Mas a deseja pura "Como aquela fervente e benfazeja luz
Que Madalena viu nos olhos de Jesus..."


Enfiar Jesus e Madalena num verso é uma imagem especialmente bonita, de quem só deseja a amizade casta em uma relação que teria sido bastante carnal, pois na tradição católica Madalena é a ex-prostituta que se converteu ao cristianismo.

Também gosto quando informa que a moça é loura criando esta imagem:
"..................................Componho
O ambiente cuja luz os teus cabelos douram".

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Eucanaã Ferraz, "O Dragão"

Semana que vem, chega-te pelo correio
a lua: puro papelão,
que aos teus dedos transmutará em loiça.

Não fosse a gripe que me assolou esses dias,
não fosse a preguiça, os livros e o sono,
eu te mataria um dragão.

Na entrada da tua vila, deixaria o bicho,
pesado como uma hecatombe
(um hematoma na boca do estômago,

as asas imensas de bomba
imersas numa poça de sangue verde).
Ora, não te assustes,

sei que te acostumei com presentes mais delicados.
Mas não seria preciso guardá-lo: telefonarias
para o Departamento de Limpeza Urbana

avisando que um louco que te ama
deixou um sonho morto
na porta da tua casa.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Mario Quintana, "Poema em três movimentos"

I

Nossos gestos eram simples e transcendentais.
Não dissemos nada
nada de mais...
Mas a tarde ficou transfigurada
- como se Deus houvesse mudado
imperceptivelmente
um invisível cenário.

II

Eu te amo tanto que
sou capaz de nos atirarmos os dois na cratera do Fuji-Yama!
Mas, aqui,
o amor é um barato romance pornô esquecido em cima da cama
depois que cada um partiu - sem saionara nem nada -
por uma porta diferente.

III

E em que mundo? Em que outro mundo vim parar,
que nada reconheço?
Agora, a tua voz nas minhas veias corre...
o teu olhar imensamente verde ilumina o meu quarto.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

António Ramos Rosa












"Arte poética"

Se o poema não serve para dar o nome às coisas
outro nome e ao seu silêncio outro silêncio,
se não serve para abrir o dia
em duas metades como dois dias resplandecentes
e para dizer o que cada um quer e precisa
ou o que a si mesmo nunca disse.

Se o poema não serve para que o amigo ou a amiga
entrem nele como numa ampla esplanada
e se sentem a conversar longamente com um copo
                                                                      [de vinho na mão
sobre as raízes do tempo ou o sabor da coragem
ou como tarda a chegar o tempo frio.

Se o poema não serve para tirar o sono a um canalha
ou ajudar a dormir o inocente
se é inútil para o desejo e o assombro,
para a memória e para o esquecimento.

Se o poema não serve para tornar quem o lê
num fanático
que o poeta então se cale.

domingo, 15 de maio de 2011

Ana Cristina Cesar











 "Flores do mais "

devagar escreva
uma primeira letra
escrava
nas imediações
construídas
pelos furacões;
devagar meça
a primeira pássara
bisonha que
riscar
o pano de boca
aberto
sobre os vendavais;
devagar imponha
o pulso
que melhor
souber sangrar
sobre a faca
das marés;
devagar imprima
o primeiro
olhar
sobre o galope molhado
dos animais; devagar
peça mais
e mais e
mais

sábado, 14 de maio de 2011

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Armando Freitas Filho, "Amar ..."

                                                para cri

Amar
é mergulhar de cabeça
sem saber nadar
sem saber de nada
ao seu encalço
numa piscina
como uma camicase
pulando do último
do mais alto trampolim
de mim
                        sem asa-delta
salva-vidas, pára-quedas
sem perguntar
sem sequer pensar
se lá embaixo
vou encontrar água
ou o ladrilho do vazio?

Amar
é ter que inventar
mãos tão macias e cuidadosas
como nenhum Nívea
jamais ousou fazer
para melhor pegar
como quem pega, no céu
sem rasgar
                        o corpo de uma nuvem
seu vôo de papel de seda
                        sem slow/snow motion
ou ainda alcançar
e reter
                        entre os dedos
a fuga do perfume
do seu sonho
solto em minha fronha.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Vinícius de Moraes, "Cântico"

Não, tu não és um sonho, és a existência
Tens carne, tens fadiga e tens pudor
No calmo peito teu. Tu és a estrela
Sem nome, és a namorada, és a cantiga
Do amor, és luz, és lírio, namorada!
Tu és todo o esplendor, o último claustro
Da elegia sem fim, anjo! mendiga
Do triste verso meu. Ah, fosses nunca
Minha, fosses a idéia, o sentimento
Em mim, fosses a aurora, o céu da aurora
Ausente, amiga, eu não te perderia!
Amada! onde te deixas, onde vagas
Entre as vagas flores? e por que dormes
Entre os vagos rumores do mar? Tu
Primeira, última, trágica, esquecida
De mim! És linda, és alta! és sorridente
És como o verde do trigal maduro.
Teus olhos têm a cor do firmamento
Céu castanho da tarde - são teus olhos!
Teu passo arrasta a doce poesia
Do amor! prende o poema em forma e cor
No espaço; para o astro do poente
És o levante, és o Sol! eu sou o gira
O gira, o girassol. És a soberba
Também, a jovem rosa purpurina
És rápida também, como a andorinha!
Doçura! lisa e murmurante... a água
Que corre no chão morno da montanha
És tu; tens muitas emoções; o pássaro
Do trópico inventou teu meigo nome
Duas vezes, de súbito encantado!
Dona do meu amor! sede constante
Do meu corpo de homem! melodia
Da minha poesia extraordinária!
Por que me arrastas? Por que me fascinas?
Por que me ensinas a morrer? teu sonho
Me leva o verso à sombra e à claridade.
Sou teu irmão, és minha irmã; padeço
De ti, sou teu cantor humilde e terno
Teu silêncio, teu trêmulo sossego
Triste, onde se arrastam nostalgias
Melancólicas, ah, tão melancólicas...
Amiga, entra de súbito, pergunta
Por mim, se eu continuo a amar-te; ri
Esse riso que é tosse de ternura
Carrega-me em teu seio, louca! sinto
A infância em teu amor! cresçamos juntos
Como se fora agora, e sempre; demos
Nomes graves às coisas impossíveis
Recriemos a mágica do sonho
Lânguida! ah, que o destino nada pode
Contra esse teu langor; és o penúltimo
Lirismo! encosta a tua face fresca
Sobre o meu peito nu, ouves? é cedo
Quanto mais tarde for, mais cedo! a calma
É o último suspiro da poesia
O mar é nosso, a rosa tem seu nome
E recende mais pura ao seu chamado.
Julieta! Carlota! Beatriz!
Oh, deixa-me brincar, que te amo tanto
Que se não brinco, choro, e desse pranto
Desse pranto sem dor, que é o único amigo
Das horas más em que não estás comigo.

terça-feira, 10 de maio de 2011

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Mário Faustino













“Breve Elegia”

Só ardem neste sono
os círios da memória e do desejo.
E turvos
na memória revolta são teus gestos –
os únicos repletos de perdão.

É preciso esquecer
tanto amar, tanta amarga
expiação de tudo que guardamos
por não sabermos dar.
E obscura
                    pelas vagas do leito
                                                  - tua sombra –
nenhuma outra é digna deste abraço.

Pudesse eu divagar
pelos bosques teu reino, mergulhar
contigo em tua fonte, ou ascender
ao teu éter contigo, ao teu mistério ...
mas não há via larga rumo à noite.

Então, luz após luz remota, um sol atroz
atira-me do sonho aos recifes
reais donde diviso tua fuga:
Jamais a madrugada traz nos braços
relíquias de uma lua que adoramos.

domingo, 8 de maio de 2011

Alguns poemas da “CARTILHA DE GUERRA ALEMÃ II”, de Bertold Brecht


I

NA GUERRA MUITAS COISAS CRESCERÃO
Ficarão maiores
As propriedades dos que possuem
E a miséria dos que não possuem
As falas do Führer
E o silêncio dos guiados

II


SE OS CAMPOS DOS JUNKERS (*) FOREM DIVIDIDOS
Não será preciso conquistar os campos dos camponeses ucranianos
Se os campos dos camponeses ucranianos forem conquistados
Os Junkers terão mais campos.

(*) Junkers eram os grandes proprietários de terras na Prússia, que também pertenciam à nobreza germânica mais tradicional (como os "coronéis" do nosso nordeste).

III

AQUELES QUE LUTAVAM CONTRA SEU PRÓPRIO POVO
Lutam agora contra outros povos
Novos escravos
Se juntarão aos velhos.

IV


É NOITE
              Os casais
              Deitam-se nos leitos. As mulheres
              Parirão órfãos.


V


PARA QUE CONQUISTAR MERCADOS PARA OS PRODUTOS
Que os trabalhadores fabricam ?
Os trabalhadores
Ficariam de bom grado com eles.

VI


O FÜHRER LHES DIRÁ: A GUERRA
Dura quatro semanas. Quando chegar o outono
Vocês estarão de volta. Mas
O outono virá e passará
E tornará a vir e passar muitas vezes
E vocês não voltarão.
O pintor lhes dirá: AS MÁQUINAS
Farão tudo por nós. Bem poucos
Precisarão morrer. Mas
Vocês morrerão às centenas de milhares, tantos
Como nunca se viu morrer.
Quando eu ouvir que vocês estão no Pólo Norte
Ou na Índia ou no Transvaal, apenas saberei
Onde um dia se encontrarão seus túmulos.

Tradução de Paulo Cezar de Souza


sexta-feira, 6 de maio de 2011

Paulo Leminski, "Eu queria tanto ..."

eu queria tanto
ser um poeta maldito
a massa sofrendo
enquanto eu profundo medito

eu queria tanto
ser um poeta social
rosto queimado
pelo hálito das multidões

em vez
olha eu aqui
pondo sal
nesta sopa rala
que mal vai dar para dois

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Chacal

Fotos do poeta:
Atualmente e em 1975, na época em que foi lançada a antologia "26 portas hoje", de Heloísa Buarque de Hollanda.













"Como é bom ser um camaleão"

Quando o sol está muito forte, como é bom ser um
camaleão e ficar em cima de uma pedra espiando
o mundo. Se sinto fome, pego um inseto qualquer com
a minha língua comprida. Se o inimigo espreita, me
finjo de pedra verde, cinza ou marrom.

E, quando de tardinha o sol esfria, dou um rolê por aí.

Link para o download da Antologia "26 poetas hoje", de 1975:
http://www.heloisabuarquedehollanda.com.br/?p=1112&cat=0

terça-feira, 3 de maio de 2011

Eugénio de Andrade


















"O silêncio"

Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,

e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,

quando azuis irrompem
os teus olhos

e procuram
nos meus navegação segura,

é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,

pelo silêncio fascinadas.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Bruno Tolentino, "Flautim"

Guardaremos juntos
os acertos, breves,
os enganos, fundos,

e aquele remoto
amparar de parcos,
altivos escolhos.

Cairão o signo
e a secreta cinza
desse ardente enigma.

Não lamentaremos
mais que o desencontro
dos humanos termos,

a rápida marca
que o passado imprime
na face, na máscara,

e os puros despojos
que às vezes são versos
e sempre são ossos.

Não diremos nada
dos velhos desejos
que a memória abraça,

sem qualquer palavra
não recordaremos
o que nos pesava,

mas apenas isso
que nos pese ainda:
ter vindo, ter sido.

domingo, 1 de maio de 2011