sábado, 15 de outubro de 2011

Paulo Mendes Campos, "Congo"

Tua alma, minha amiga, é como a Bélgica suavizada de canais, mas a minha é como o Congo violentado, duma liberdade malnascida. Miséria misteriosa de meu sangue, suor negro de minha morte, martírio milenar de minh’alma, meu amor. A Bélgica é como a tua alma suave. O Congo é tumulto impenetrável, floresta de lama, felino ferido. Estou ao Norte, ao Sul, a Leste, a Oeste, crucificado em províncias paralíticas, em subúrbios de barro, onde se arrastam bestas mal abatidas, mulambos de Lisala, senzalas de Lusambo, Usumbara profunda com seu zabumba fúnebre, Inongo, Malonga – minha’alma. Mas a tua é suave de canais. Um crime se articula na aldeia petrificada, um guerreiro de lança percorre o vale ardente. Mas em tua alma, minha amiga, há um príncipe melancólico pendido para o crepúsculo. No Congo, violência, vingança, o ídolo vestuto que se estraçalha, o pântano de sangue, o voo do corvo, o rio da raiva, a garra do belga, a madrugada de carvão, a cova de Cristo, a luz de Lumumba. Na Bélgica, a suavidade dos canais, meu amor.

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