terça-feira, 29 de novembro de 2011

Mário de Sá-Carneiro, "Caranguejola "


- Ah, que me metam entre cobertores,
E não me façam mais nada...
Que a porta do meu quarto fique para sempre fechada,
Que não se abra mesmo para ti se tu lá fores!

 Lã vermelha, leito fofo. Tudo bem calafetado...
Nenhum livro, nenhum livro à cabeceira
- Façam apenas com que eu tenha sempre a meu lado
Bolos de ovos e uma garrafa de Madeira.

 Não, não estou para mais - não quero mesmo brinquedos.
Pra quê? Até se mos dessem não saberia brincar...
Que querem fazer de mim com este enleios e medos?
Não fui feito pra festas. Larguem-me! Deixem-me sossegar...

 Noite sempre plo meu quarto. As cortinas corridas,
E eu aninhado a dormir, bem quentinho - que amor...
Sim: ficar sempre na cama, nunca mexer, criar bolor
- P'lo menos era o sossego completo... História!                                                                                               [Era a melhor das vidas...

 Se me doem os pés e não sei andar direito,
Pra que hei-de teimar em ir para as salas, de Lord?
- Vamos, que a minha vida por uma vez se acorde
Com o meu corpo, e se resigne a não ter jeito...

 De que me vale sair, se me constipo logo?
E quem posso eu esperar, com a minha delicadeza?
Deixa-te de ilusões, Mário! Bom edrédon, bom fogo
- E não penses no resto. É já bastante, com franqueza...

 Desistamos. A nenhuma parte a minha ânsia me levará.
Pra que hei-de então andar aos tombos, numa inútil correria?
Tenham dó de mim. Co'a breca! Levem-me prà enfermaria!
- Isto é, pra um quarto particular que o meu Pai pagará.

 Justo. Um quarto de hospital, higiénico, todo branco, moderno                                                                                              [e tranquilo;
Em Paris, é preferível - por causa da legenda...
Daqui a vinte anos a minha literatura talvez se entenda
- E depois estar maluquinho em Paris fica bem, tem certo estilo...

- Quanto a ti, meu amor, podes vir às quintas-feiras,
Se quiseres ser gentil, perguntar como eu estou.
Agora, no meu quarto é que tu não entras, mesmo                                                                                              [com as melhores maneiras:
Nada a fazer, minha rica. O menino dorme. Tudo o mais acabou.

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