quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Carlos Drummond de Andrade














"Convívio"

Cada dia que passa incorporo esta verdade de que eles não 
                                                [vivem senão em nós.
e por isso vivem tão pouco; tão intervalado; tão débil.
Fora de nós é que talvez deixaram de viver, para o que 
                                                      [se chama tempo.
E essa eternidade negativa não nos desola.
Pouco e mal que eles vivam, dentro de nós, é vida não obstante.
E já não enfrentamos a morte, de sempre trazê-la conosco.

Mas, como estão longe, ao mesmo tempo que nossos 
                                                      [atuais habitantes
e nossos hóspedes e nossos tecidos e a circulação nossa!
A mais tênue forma exterior nos atinge.
O próximo existe. O pássaro existe.
E eles também existem, mas que oblíquos! e mesmo sorrindo, 
                                                               [que disfarçados.

Há que renunciar a toda procura.
Não nos encontraríamos ao encontrá-los.
Ter e não ter em nós um vaso sagrado,
um depósito, uma presença contínua,
esta é nossa condição, enquanto
sem condição transitamos
e julgamos amar
e calamo-nos.

Ou talvez existamos somente neles, que são omissos, 
                                                             [e nossa existência,
apenas uma forma impura de silêncio, que preferiram.

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