quarta-feira, 19 de abril de 2017

Wislawa Szymborska, "Fim e começo"


Depois de cada guerra
alguém tem que fazer a faxina.
Colocar uma certa ordem
que afinal não se faz sozinha.

Alguém tem que jogar o entulho
para o lado da estrada
para que possam passar
os carros carregando os corpos.

Alguém tem que se afundar
no lodo e nas cinzas
em molas de sofás
em cacos de vidro
e em trapos ensanguentados.

Alguém tem que erguer a viga
para apoiar a parede,
pôr a porta nos caixilhos,
envidraçar as janelas.

A cena não rende foto
e pode levar anos.
E todas as câmeras já debandaram
para outra guerra.

As pontes têm que ser refeitas,
e também as estações.
De tanto arregaçá-las,
as mangas ficarão em farrapos.

Alguém de vassoura na mão
ainda recorda como foi.
Alguém escuta
meneando a cabeça que se safou.
Mas ao seu redor já rondam
os que acham tudo muito chato.

Às vezes alguém desenterra
de sob um arbusto
velhos argumentos enferrujados
e os arrasta para o lixão.

Os que sabem
o que aqui se passou
devem dar lugar àqueles
que pouco sabem,
ou menos que pouco.
E por fim nada mais que nada.

Na relva que cobriu
as causas e os efeitos
alguém vai se deitar
com um capim entre os dentes
e namorar as nuvens.

Nenhum comentário:

Postar um comentário