sábado, 28 de julho de 2012

Julia Uceda


















"Nota ao pé de uma história"

                                                              Variação da "Bachiana Brasileira nº 5",
                                                                                  de Villa-Lobos.


Começou já o último
adeus. Vão dizer-se
as fórmulas do fim. Hei de deixar
tudo quanto ouça: "Consumatum
est". Compreendo agora
e por fim a alegria
de estar entre vós, ásperas sombras,
seres que me atravessais
em cidades, de noite.
Árvores, rochas, rosas, compreendo a alegria
de que estejais junto de mim com vossa equívoca
presença que, em menina,
não pude compreender e convosco
brincava. Não sois para brincar: para dizer-me
adeus e voltar em outras primaveras
do mundo recordando-me
talvez, a vosso modo. (Ser um dia
lembrança de uma rocha; memória
de uma rosa num jardim
na lua habitada, é ser).

Acreditei que tinha vindo para sempre
e estava
triste. Agora descobri
a morte nos abismos
e a vida nas cristas
da pele. Agora é tudo
diferente: preparo-me
com tédio para a partida e estou mais perto
dos que ainda não sabem, dos que vão a caminho.
A minha identidade
não ma deu o amor, mas só a morte
- amor é uma sombra por trás das claras janelas,
o grito de uma hora
que morre,
o bater violento de uma porta -,
e o gozo do espaço, da luz, dos ares
de cristal, dos longos
silêncios, dos rios
que passam:
de toda a formosura que agora é minha e que vivo.
A catedral de sombra ainda tem luz.

Tradução de José Bento.

Nenhum comentário:

Postar um comentário