sábado, 3 de maio de 2014

Ruy Espinheira Filho, "Aniversário"


Metade do tempo consumada
ou ainda mais.
No peito, a mesma fome, a mesma sede
do menino, do rapaz.
O mesmo olhar perplexo
o mesmo sem resposta
gesto crispado interrogando.

(É dezembro
e noite e abro a janela
e vejo outras janelas iluminadas.
Ali há vida, como na rua, como
no campo e no mar e nos velozes
aparelhos que cortam o espaço
e
talvez
noutros planetas e universos.
Como há incontáveis séculos e
provavelmente
amanhã. mas tudo rápido
demais
que nem nos podemos saber
e partimos
no mesmo escuro em que chegamos.)

Perdi colegas, namoradas, cães.
Perdi árvores, pássaros, perdi um rio
e eu mesmo nele me banhando.

Isto o que ganhei: essas perdas. isto
o que ficou: esse tesouro
de ausências.

(A noite avança, e as janelas
aos poucos
se apagam. No silêncio
meu coração permanece
iluminado. Eis que trabalha, fiel,
mesmo quando revela
a si mesmo em breve imóvel
ou, depois, a última estrela
sem testemunhas
no céu final.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário