segunda-feira, 27 de junho de 2016

David Mourão-Ferreira, "Presídio"


Nem todo o corpo é carne... Não, nem todo 
Que dizer do pescoço, às vezes mármore, 
às vezes linho, lago, tronco de árvore, 
nuvem, ou ave, ao tacto sempre pouco...? 

E o ventre, inconsistente como o lodo?... 
E o morno gradeamento dos teus braços? 
Não, meu amor... Nem todo o corpo é carne: 
é também água, terra, vento, fogo... 

É sobretudo sombra à despedida; 
onda de pedra em cada reencontro; 
no parque da memória o fugidio 

vulto da Primavera em pleno Outono... 
Nem só de carne é feito este presídio, 
pois no teu corpo existe o mundo todo! 

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