quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Ivan Junqueira

"A morte"

                        A Ivo Barroso

A morte é um cavalo seco
que pasta sobre o penedo;
ninguém o doma ou esporeia
nem à boca lhe põe freios.

Á noite, sob o nevoeiro,
é que flameja o seu reino:
não o da luz que viu Goethe
ao cerrar os olhos ermos,

mas o da espessa cegueira,
o dos ossos no carneiro
e o da carne atada às teias,
sem alma que se lhe veja.

Ouço-lhe os cascos de seda:
são tão fluídos quanto a areia
que escorre nas ampulhetas
ou o sangue no oco das veias.

A morte escoiceia a esmo,
sem arreios ou ginetes;
não tem começo nem termo:
é abrupta, estúpida e vesga,

mas te embala desde o berço,
quando a vida ainda sem peso,
nada mais é que um bosquejo
que a mão do acaso tateia.

Na treva lhe fulge o pelo
e as crinas se lhe incendeiam:
em cada esquina ela espreita
quem há de tanger ao leito,

e ninguém lhe escapa ao cepo:
tiranos, mártires, reis
ou até antigos deuses,
por mais soberbos que sejam.

Embora só traga o preto
em seu corpo duro e estreito,
com ângulos que semelham
os de um áspero esqueleto,

a morte é estrito desejo:
deita-se lânguida e bêbada
à lenta espera daquele
que a leve, sôfrego, ao êxtase.

Nenhum comentário:

Postar um comentário