sábado, 17 de dezembro de 2011

João Cabral de Melo Neto, "Sujam o suicídio"

O pior que existe no suicídio
por limpo que seja, ou de tiro;

ou o suicídio por barbitúricos,
em que a dormir se cruza o muro;

pior que o incômodo resíduo
que se há de tratar como um vivo,

que há de lavar, barbear, pentear,
para a viagem que empreenderá;

o pior que há nele é o palavrório
que enreda o caixão e o velório

na oral, tropical, floração
que saliva a nossa nação.

Na verdade, onde mais o medo
é falador, é nos enterros.

No enterro, falam mesmo os mudos,
e se de suicida, falam duplo.

Ninguém deixa a mínima brecha
para a morte-Rilke, a da Igreja

e de outros que fazem da Porta
uma celebração deleitosa.

O padre sabe: não há fresta
onde a transcendência ele meta

no falatório, mato fechado
que nem pode abrir-se a machado

(Enquanto isso, pensa? o cadáver:
maçada! Não pude evaporar-me;

enfim: não se vende em balcão,
ainda, o suicidar-se de avião).

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