terça-feira, 16 de outubro de 2012

Al Berto, "Mar-De-Leva nº 6"


    é tarde meu amor
    estou longe de ti, com o tempo diluíste-te nas veias das 
marés, na saliva de meu corpo sofrido
    agora, tuas máquinas trituram-me, cospem-me, interrompem o
sono
    habito longe, no coração vivo das areias, no cuspo límpido
dos corais... e no ventre impossível das cidades noturnas
    a solidão tem dias mais cruéis
    tentei ser teu, amar-te e amar o falso ouro...quis ser grande e
morrer contigo
    enfeitar-te com tuas luas brancas, pratear a voz em tuas
águas de seda... cantar-te os gestos com ternura
    mas não

    águas, águas inquinadas* pulsando dentro de meu corpo,
como um um peixe ferido, louco
    em mim a lama... e o visco inocente dos teus náufragos sem
nome-de-rua, nem estátua de jardim-público
    aceito o desafio com desdém

    na boca ficou-me um gosto a salmoura e destruição
    apenas possuo o corpo magoado destas poucas palavras
tristes que te cantam

* inquinadas - sujas, corrompidas.

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