sábado, 16 de março de 2013

Mário Cesariny, "Poema"


Os pássaros de Londres
cantam todo o inverno
como se o frio fosse
o maior aconchego
nos parques arrancados
ao trânsito automóvel
nas ruas da neve negra
sob um céu sempre duro
os pássaros de Londres
falam do esplendor
com que se ergue o estio
e a lua derrama
por praças tão sem cor
que parecem de pano
em jardins germinando
sob mantos de gelo
como se gelo fora
o linho mais bordado
em casas como aquele
onde Rimbaud comeu
e dormiu e deitou
a vida desesperada
estreita casa amarela
espécie de paralela
entre o tudo e o nada
os pássaros de Londres
quando termina o dia
e o sol conseguiu um pouco 
abraçar a cidade
à luz rasante e forte
que dura dois minutos
nas árvores surgem
subitamente imensas
no ouro verde e negro
que é sua densidade
ou nos muros sem fim
dos bairros deserdados
onde não sabes não 
se vida rogo amor
algum dia erguerão
do pavimento cinzeo
algum claro limite
os pássaros de Londres
cumprem o seu dever 
de cidadãos britânicos
que nunca viram
os céus mediterrânicos.

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