quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Eugénio de Andrade, "Os trabalhos e os dias"


Começo a dar-me conta: a mão
que escreve os versos
envelheceu. Deixou de amar as areias
das dunas, as tardes de chuva
miúda, o orvalho matinal
dos cardos. Prefere agora as sílabas
da sua aflição.
Sempre trabalhou mais que sua irmã,
um pouco mimada, um pouco
preguiçosa, mais bonita.
A si coube sempre
a tarefa mais dura, semear, colher,
coser, esfregar. mas também
acariciar, é certo. A exigência,
o rigor, acabaram por fatiga-la.
O fim não pode tardar. Oxalá
tenha em conta a sua nobreza.

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