quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Níkos Kavvadías, "Mal du départ"


Eu serei sempre o amante hipotético e afoito
dos mares azulados e das longas travessias,
e morrerei numa noite igual a todas as noites,
sem ter rompido a vaga linha do horizonte um dia.

Enquanto para Madras, Cingapura, Argélia, Sfax,
os orgulhosos navios regularmente partirão,
num escritório, curvado sobre cartas de marear,
ficarei domando grossos livros de escrituração.

Dentro em pouco deixarei de falar nas longas viagens;
os amigos irão pensar que eu as tirei da mente,
e aliviada minha mãe dirá a quem lhe perguntar:
"Era um capricho de rapaz, que passou felizmente."

Mas certa noite diante de mim vai erguer-se o meu eu
para pedir-me contas, como um juiz tenebroso,
e esta minha mão inábil apontará tremendo
o revólver para abater sem medo o criminoso.

E eu que tanto desejei ser um dia sepultado
em algum mas das Índias, de profundezas enormes,
terei essa morte comum, deveras lamentável,
e um enterro igualzinho ao de todos os outros homens.

Tradução de José Paulo Paes

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