quinta-feira, 13 de março de 2014

Miguel Torga















Os poemas abaixo são apresentados na mesma postagem, na ordem da sua  publicação no Diário VIII do poeta, pois me parecem que contam uma história.
 

"Pastoreio"

Uma cabra montesa no pascigo;
Fiel ao seu balido.
Um fauno apaixonado;
Entre os dois, um açude adormecido,
Imagem do instinto represado.

Corcunda como a vida,
Uma ponte arqueada de suspiros
A ligar as arribas do desejo;
E um guarda ao passadiço, uma presença humana,
- O pastor, a moral quotidiana...

Carvalhelhos, 21 de Junho de 1956.



"Incursão"

Terra alheia - aventura apetecida;
Pronta libertinagem
Dos sentidos;

No corpo violado da paisagem,
Atrevidos
Devaneios dos olhos indiscretos;
Virginais e secretos
Caminhos tacteados;
O gosto a devorar acidulados
Frutos proibidos;
O deleite de inéditos perfumes;
E a humana comunhão de outros queixumes
A ressoar na concha dos ouvidos.

Lovios, Espanha, 1 de Agosto de 1956.



"Penúria"

Aqui estou, varejado,
Como um pomar no outono.
Caídos aos meus pés,
Os versos não exigem
Mais doçura
De mim.
Agora,
Ou alguém os apanha
E saboreia,
Ou apodrecem.
Eu, já só condição
Da colheita futura,
Vou
Roer durante o inverno esta amargura
Que me ficou.

Coimbra, 23 de Setembro de 1956.



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