terça-feira, 26 de setembro de 2017

Antero de Quental, "Palavras de um certo morto"


Há mil anos, e mais, que aqui estou morto,
Posto sobre um rochedo à chuva e ao vento:
Não há como eu espectro macilento,
Nem mais disforme que eu nenhum aborto...

Só o espírito vive: vela absorto
Num fixo, inexorável pensamento:
"Morto, enterrado em vida!" o meu tormento
É isto só... do resto não me importo...

Que vivi sei-o eu bem... mas foi um dia,
Um dia só — no outro, a Idolatria
Deu-me um altar e um culto... ai! adoraram-me,

Como se eu fosse alguém! como se a Vida
Pudesse ser alguém! — logo em seguida
Disseram que era um Deus... e amortalharam-me!

Nenhum comentário:

Postar um comentário