segunda-feira, 13 de julho de 2015

Ivan Junqueira, "O poema"

 
Não sou eu que escrevo o meu poema:
ele é que se escreve e que se pensa
como um polvo a distender-se, lento
no fundo das águas, entre anêmonas
que nos abismos do mar despencam.
 
Ele é que se escreve com a pena
da memória, do amor, do tormento,
de tudo o que aos poucos se relembra:
um rosto, uma paisagem, a intensa
pulsação da luz manhã adentro.


Ele se escreve vindo do centro
de si mesmo, sempre se contendo.
É medido, estrito, minudente
música sem clave ou instrumentos
que se escuta entre o som e o silêncio.


As palavras com que em vão o invento
não são mais que ociosos ornamentos,
e nenhuma gala lhe acrescentam.
Seja belo ou, ao invés, horrendo,
a ele é que cabe todo o engenho,


não a mim, que apenas o contemplo
como um sonho que se sustenta
sobre o nada, quando o mito e a lenda
eram as vísceras de que o poema
se servia para ir-se escrevendo.


Nenhum comentário:

Postar um comentário