Eu sempre fui amigo dos estios,
Dos longos dias claros e sadios,
Da Cigarra, do Sol, que a vida encerra,
Que alegra a luz e que fecunda a Terra.
Mas estou hoje num estado d’alma,
Tão de indolência e calma
E tão avesso às emoções bizarras
Que não quero saber de Sol nem de cigarras..
Nada de força, de vigor, de músculos,
De desejos agudos,
Nem dos desatinos,
A que, às vezes, me atiro,
De alguma estranha fantasia nova;
Hoje alegrias e vigores domo
E prefiro
À meia tinta morna dos crepúsculos,
Num macio carinho de veludos,
A plangência católica dos sinos
Num fim de tarde, quando a luz repousa,
Ou então qualquer cousa
Como
Na alma de um violoncelo a surdina da trova.
Olho este fim de tarde e esta sombra que desce
E em tudo alonga e tece
A trama tênue do seu véu de luto…
A alma sentindo evocativa e boa,
Emocionado, escuto
O saudoso rumor do dia que se extingue…
E o dia azul que foi, apenas se distingue
Por um resto de luz que nas alturas sobra,
Por um sino que dobra
Ou uma asa que voa ...
sábado, 15 de janeiro de 2011
Mário Pederneiras, "Crepúsculo"
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