Minha bela Marília, tudo passa;
a sorte deste mundo é mal segura;
se vem depois dos males a ventura,
vem depois dos prazeres a desgraça.
          Estão os mesmos Deuses
sujeitos ao poder do ímpio Fado:
Apolo já fugiu do Céu brilhante,
          já foi Pastor de gado.
A devorante mão da negra Morte
acaba de roubar o bem, que temos;
até na triste campa não podemos
zombar do braço da inconstante sorte.
          Qual fica no sepulcro,
que seus avós ergueram, descansado;
qual no campo, e lhe arranca os brancos ossos
          ferro do torto arado.
Ah! enquanto os Destinos impiedosos
não voltam contra nós a face irada,
façamos, sim façamos, doce amada,
os nossos breves dias mais ditosos.
          Um coração, que frouxo
a grata posse de seu bem difere,
a si, Marília, a si próprio rouba,
          e a si próprio fere.
Ornemos nossas testas com as flores.
e façamos de feno um brando leito,
prendamo-nos, Marília, em laço estreito,
gozemos do prazer de sãos Amores.
          Sobre as nossas cabeças,
sem que o possam deter, o tempo corre;
e para nós o tempo, que se passa,
          também, Marília, morre.
Com os anos, Marília, o gosto falta,
e se entorpece o corpo já cansado;
triste o velho cordeiro está deitado,
e o leve filho sempre alegre salta.
          A mesma formosura
é dote, que só goza a mocidade:
rugam-se as faces, o cabelo alveja,
          mal chega a longa idade.
Que havemos de esperar, Marília bela?
Que vão passando os florescentes dias?
As glórias, que vêm tarde, já vêm frias;
e pode enfim mudar-se a nossa estrela.
          Ah! Não, minha Marília,
aproveite-se o tempo, antes que faça
o estrago de roubar ao corpo as forças
          e ao semblante a graça.
quinta-feira, 24 de março de 2011
Tomás Antônio Gonzaga, "Lira XII"
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