domingo, 20 de setembro de 2015

Teixeira de Pascoaes, "As minhas sombras"


                        Ao José d 'Albuquerque Alvares Pikho

Ó sombras que durante a noite me falais,
Quando penso e não sei porque a este mundo vim!
ó vós, que a minha Noite imensa povoais,
Qual o corpo que vos projecta junto a mira?...

Donde dimana a luz estranha que vos cria?
Quem sois vós, quem sois vós, ó sombras bem amadas.
Donde um grande esplendor que ofusca se irradia
Como dura horizonte a luz das madrugadas? 

Ó Sombras que morreis na claridade ansiosa
Do meu nevoento olhar distante, que desmaia.
Como vem falecer uma onda harmoniosa
No meu ouvido, que é uma longínqua praia... 

Quem sois vós, quem sois vós, vagas sombras perdidas
Que me livrais do Sol, do meu grande inimigo?
Quem sois vós, quem sois vós, fantasmas doutras vidas
Que me falais se eu ando, à noite, só comigo? 

Ó Sombras com quem vou, à noite, conversar,
Vós vindes até a mim para eu vos conhecer!
Sereis da minha dor um pálido luar.
Um reflexo do que arde em mim, sem ela saber?... 

Soa como os doidos, como os vermes que só amam
A noite, que o meu vago Ideal tanto parece!
Quantas vozes, meu Deus, que de dia não chamam,
E quanto dia só à noite é que amanhece!
A noite 6 para mim uma estranha alvorada,
Nuvem, filha da Luz, que é um grande mar sem fundo...
E, se deixa esta Terra em trevas sepultada.
Que dia, que esplendor não é para outro mundo!  

Noite, tu és a luz do mundo que eu habito...
Indefinido mundo, assim como um clarão.
Que, num amor, percorre esse azul infinito
Que existe para além da nossa Aspiração.

Onde tudo termina é que ele principia;
O espaço é um seu limite, a luz, o som, a cor...
É vago como a alma etérea da harmonia
Que se exala do seio imaterial da Dor... 

Sombras, vós sois o Sol do mundo misterioso,
Onde minh'alma vive a sua eternidade;
E embora seja, para os outros, nebuloso,
É esse Sol a verdadeira Claridade!

Sois o infinito Amor, o puro olhar de Deus,
ó Sombras que durante a noite me apareceis!
Vós sois a Luz que existe além da luz dos céus
E donde todas vós, estrelas, descendeis...

 

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