quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Felipe D'Oliveira, "O epitáfio que não foi gravado"



Todos sentiram quando a morte entrou
com um frêmito apressado de retardatária.

A que tinha de morrer, - a que a esperava, -
fechou os olhos
fatigados de assistirem ao mal-entendido da vida.

Os que a choravam sabiam-na sem pecado,
consoladora dos aflitos,
boca de perdão e de indulgência,
corpo sem desejo,
voz sem amargor.

A que tinha de morrer fechou os olhos fatigados,
mas tranquilos...
Porque os que a choravam nunca saberiam
o rancor sem perdão de sua boca,
o desejo saciado de seu corpo,
o amargor de sua voz,
a sua angústia de arrastar até o fim a alma postiça que

[lhe fizeram,
o seu cansaço imenso de abafar, secretos, na carne ansiosa,
a perfeição e o orgulho de pecar.

A que tinha de morrer fechou os olhos para sempre
e os que a choravam
nunca souberam de alguém que foi de todos junto ao leito

[à hora do exausto coração parar
o mais distante,
o mais imóvel,
o que não soluçou
que não pode erguer as pálpebras pesadas,
o que sentiu chamar no sangue o desespero de sobreviver,
o que estrangulou na garganta o grito dilacerado do solitário,
o que depois, sobre a serenidade da morte purificadora,
a redenção do silêncio,
como uma pedra votiva do sepulcro.


Nenhum comentário:

Postar um comentário