sábado, 28 de novembro de 2015

Ivan Junqueira













"Herdeiros"

Não quis mais vê-los. A besta
da demência deles fez
o que faz uma centelha
na palha seca dos nervos:

retorcidas labaredas
também tetos e paredes,
os dentes rilham - são presas,
e o convívio sabe a esterco.

Irmão contra irmão, celeuma
entre herdeiros. De quê ?
De uns trapos, um camafeu
cuja efígie não se vê,

púcaros, cálices, trechos
de um enredo sem desfecho,
polainas de um cinza espesso,
rendas, anáguas, corpetes,

o brilho de um alfinete
numa gravata obsoleta,
frascos de incenso, navetas
de porcelana chinesa.

Em suma, um fátuo cortejo
de ninharias enfermas,
sem serventia ou apreço,
mas pelas quais se peleja

como em busca de amuletos,
de uma relíquia que seja
capaz de lhes dar o ensejo
de se unirem em seu gueto.

Eis que os ouço e logo vejo
o que me desnuda o espelho:
esquálidas silhuetas
numa cena de opereta.

Nela se entoa um dueto
sobre o morto que não deixa
senão as flores do enterro
e os bens que em vida não teve.


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