sábado, 5 de dezembro de 2015

Lúcio Cardoso, "Tema"


Sim, o que não é sonho nesta vida,
para quem não se liberta do passado?
E que vale a vida senão o êxtase criado
do minuto em que se ouve a estranha música
de um alto olhar descendo sobre nós?
Ó, a percepção dos mundos invisíveis,
aura, vertigem das almas prisioneiras
às formas que fenecem - oásis dos videntes,
deserto onde a fronteira se desfaz?

Vem! Espalha sobre mim o teu austero fluído
e o ópio da tua nostalgia. Livra-me
das brancas sepulturas das cidades
onde os homens arrastam sinistras ambições.

Quando o relógio fixar a hora extrema,
abre as portas que vedam teus domínios,
rompe o selo do castigo e deixa-me partir
para o país dos jardins alucinados!

Cinza dos meus dias - ó longa espera
à margem destas ânsias sufocadas,
desejo maior do que a minha vida!
Não quero do sol que morre sobre as pedras
criar a minha soma de infinito.
Quero bater-me com os olhos para o alto,
sofrer além da terra exausta da esperança,
frente ao mistério que é dos fortes,
sentindo que a poesia, voz do sonho,
é a memória do outro mundo em que fui rei.


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