sábado, 6 de agosto de 2016

Cecília Meireles














"Pastora descrida"

Eu, pastora, que apascento
estrelas da madrugada
pelas campinas do vento,

fui falar ao eco antigo,
a cuja voz fui criada,
e que supus meu amigo.

“Sou sempre a de antigamente”,
 murmurei-lhe, enternecida.
E ele anunciou longe: “Mente!”

Mas era a minha verdade
e, vendo-me assim descrida,
padeci com a falsidade.

“Eco amigo, eu não te iludo:
pastora sou destes prados
onde se confunde tudo;

mas sou de ontem e de agora,
dentro dos despedaçados
instantes de nenhuma hora. ..

A amargura não me aumentes..
E o eco antigo, infiel e exato,
repetiu-me perto: “Mentes...”

Vergada em móveis espelhos,
vi nas águas meu retrato,
chorei sobre mim, de joelhos.

Mas o gado que pascia
pelas colinas da aurora,
mascando as margens do dia,

veio a mim sem que o esperasse,
lambeu-me os olhos de outrora,
— reconheceu a minha face.

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