segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Fernando Pessoa, "O outro amor"


Com que fúria ergo a ideia dos meus braços
Para a ideia de ti! Com que ânsia bebo,
Os olhos pondo em teus sonhados traços,
Todo o fêmea em teu corpo de mancebo!

Teu hálito sonhado até cansaços
Como em meu vivido hálito recebo!
Ó carne que sonho és tantos laços
Para mim! Deus-deus, Vénus-Efebo!

Ó dolorosamente só sonhado!
Soubesse eu o feitio exterior e o jeito
Em gestos e palavras e perfeito

As palavras a dar a este pecado
De só pensar em ti, de ter o peito
Opresso em pensar-te entrelaçado!

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