quarta-feira, 27 de junho de 2012

Ferreira Gullar












"Digo sim"

Poderia dizer
que a vida é bela, e muito,
e que a revolução caminha com pés de flor
nos campos do meu país,
com pés de borracha
nas grandes cidades brasileiras
             e que meu coração
é um sol de esperanças entre pulmões
             e nuvens

Poderia dizer que meu povo
é uma festa só na voz
de Clara Nunes
                                  no rodar
das cabrochas no carnaval
da Avenida.
                          Mas não. O poeta mente.

A vida nós a assamos em sangue
             e samba
enquanto gira inteira a noite
sobre a pátria desigual. A vida
nós a fazemos nossa
alegre e triste, cantando
             em meio à fome
             e dizendo sim
– em meio à violência e a solidão dizendo
             sim –
pelo espanto da beleza
pela flama de Tereza
pelo meu filho perdido
meu vasto continente
             por Vianinha ferido
             pelo nosso irmão caído
pelo amor e o que ele nega
pelo que dá e que cega
             pelo que virá enfim,
             não digo que a vida é bela
             tampouco me nego a ela
             – digo sim

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