segunda-feira, 18 de junho de 2012

Paulo Henriques Britto, "Cuidado, poeta ..."


Cuidado, poeta: o tempo engorda a alma.
Depois de um certo número de páginas
anjos não pousam mais nas entrelinhas.
E até a lucidez, essa moderna,
também se gasta, como qualquer moeda.

O ter o que dizer é jogo arriscado,
não se resolve com um só lance de dados.
Não basta a precisão do gesto apenas.
O gesto mais felino é quase nada
sem o lastro da existência, essa cansada,

com sua textura por demais espessa
pra traspassar a tímida peneira
da pálida poesia, essa antiga.
O tempo é escasso. O dicionário é gordo.
Cuidado: Todo silêncio é pouco.

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