sexta-feira, 15 de junho de 2012

Miguel Torga













"Balada da Morgue"

Olho este corpo morto aqui deitado
E sinto impulso de beijá-lo e ter
Toda força de beijá-lo
Com sugestões de prazer...

Que bruta sinceridade!
Que humildade!
Que vaidade!
Que mentira! Que verdade!
Todo nu! Eu pressenti-o
Dando desejo e fastio...

Não é de mulher, não é;
Nem d'homem; nem d'animal
Irracional:
É d'Anjo predestinado
Que foi sacrificado
Para dar a noção exacta da renúncia!...

Ai! Dos corpos metidos em sarcófagos!...
Ai! De quem morre vestido!...
Nesta luxúria da Morgue
Há todo o satanismo
No final...

São os gestos parados;
Os olhos vidrados;
Os sexos castrados
E, por cima de tudo, o silêncio das bocas!

Quero amar este sol da terra
Que mostra o calor do céu...
Anda aqui toda a loucura
Da razão que não morreu
Nos sonhos dessa lonjura
Que nos fez, que nos perdeu...


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