terça-feira, 12 de janeiro de 2016

António Feijó, "Armadura"


Desenganos, traições, combates, sofrimentos, 
Numa vida já longa acumulados, vão 
— Como sobre um paul contínuos sedimentos,
Pouco a pouco envolvendo em cinza o coração.
 
E a cinza com o tempo atinge uma espessura
Que nem os mais cruéis desesperos abalam;
É como tenebrosa, impávida armadura
Ou couraça de bronze em que os golpes resvalam. 

Impermeável da Inveja à peçonhenta bava,
Nela a Calúnia embota os seus dentes ervados;
Não há braço que possa amolgá-la, nem clava
Que nesse duro arnês se não faça em bocados. 

E no entanto, através dessas rijas camadas,
Ou rompendo por entre as juntas da armadura,
Escorrem muita vez gotas ensanguentadas
Que o coração verteu dalguma chaga obscura... 

Nenhum comentário:

Postar um comentário