segunda-feira, 18 de abril de 2016

Ivan Junqueira













"Eis que envelheces"

Célula a célula,
vértebra a vértebra,
de ti o espectro,
eis que envelheces:

não mais o aéreo
passo de Pégaso,
nem as hipérboles
da áurea quimera,

mas só o inverno
da áspera pele
que trinca e engelha
como a de um réptil,

ou as exéquias,
sem círio ou prece,
do ralo esperma
que nada gera.

Na boca, uns restos
do que antes eram
palavra, verve,
humor feérico,

lirismo etéreo,
enigmas, dédalos,
que agora hibernam
no oco das trevas.

As mãos entrevam,
os olhos secam,
a alma enfeza
sem luz ou fé.

No entanto, és mestre
no ofício indébito
que tanto exerces:
o de dar crédito

àquela moeda,
gasta e decrépita,
em cujo verso
relês que o eterno

é a tua gleba
e que, por certo,
mais sábio és
porque mais velho.

É que te esqueces
de que há, mais pérfida,
outra exegese
sobre essa tese:

a que interpreta
álgida e cética,
todas as pérolas
que te oferecem.

É que nada o que herdas
por seres velho,
exceto a cédula
de uma hipoteca

que em vão fizeste
da pouca terra
em que teus pés
sequer puseste

- da escassa terra
em que coubessem,
não teus troféus,
mas só teus restos.

A noite sela
com uma pétala
teus olhos cegos.
Eis que envelheces.

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