sábado, 2 de abril de 2016

Ruy Espinheira Filho














"Reflexos"

1.
Então assim foi
e estávamos sempre seguros
de que éramos todos muito ricos
de futuros.

E lá íamos nós,
como a vida ia,
rumo a horizontes
de luzentes pedrarias.

2.
Havia pouco
para ser lembrado,
muito escasso ainda
o passado,
de onde nada vinha
que nos fizesse compor,
de corações doloridos,
alguma balada sobre damas
de tempos idos.

3.
Mas já descobríamos
em dias assustados,
em noites infindas,
florescentes damas,
alegres e lindas,
que nos transformavam
em príncipes encantados
ou em tristes tigres
enjaulados.

4.
Trilhávamos dias e noites
inconsequentes
como quaisquer garotos
inteligentes.

Mas não da inteligência
dos gênios da escola,
campeões na gramática
e na ciência,
de comportamentos
austeros e puros,
os quais já antevíamos,
com clarividência
(confirmada pela vinda
dos futuros),
brilhantemente medíocres
e obscuros.

5.
E logo, para todos,
vieram os futuros,
tão subitamente,
que alguns nem os sentiram,
pois, antes que chegassem,
partiram.

6.
Outros foram ficando
e pouco a pouco
se dispersando,
fitando, do escuro,
um sol de futuro,
sempre belo e quente,
mas sempre amanhã,
jamais no presente.

Como hoje ainda,
brilha à nossa frente,
esse sol, agora
já morno, morrente,
quase nada aquecendo
a nós, que prosseguimos,
nesse rumo do poente,
pesados de passado
cada vez mais presente.

7.
Colho estes reflexos
de história finda
para uns, para outros
pulsando ainda.

Murcharam os futuros,
mas um dia os tivemos
em infinita paisagem
convocando à viagem.
A que sempre leva
ao fim do futuro,
destino comum
do puro e do impuro.

8.
Que seja, mas nada,
até o fim de tudo
nos tira a paisagem
do tão claro dia
em que íamos nós
como a vida ia:
sábios como Sócrates,
que nada sabia.

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