segunda-feira, 18 de julho de 2016

Antero de Quental














"Palavras dum certo morto"

Há mil anos, e mais, que aqui estou morto,
Posto sobre um rochedo, à chuva e ao vento:
Não há como eu espectro macilento,
Nem mais disforme que eu nenhum aborto...

Só o espírito vive: vela absorto
N'um fixo, inexorável pensamento:
«Morto, enterrado em vida!» o meu tormento
É isto só... do resto não me importo...

Que vivi sei-o eu bem... mas foi um dia,
Um dia só — no outro, a Idolatria
Deu-me um altar e um culto... ai! adoraram-me.

Como se eu fosse alguém! como se a Vida
Pudesse ser alguém! — logo em seguida
Disseram que era um Deus... e amortalharam-me!

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