quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Ruy Castro, "Poesia na Spaghettilândia"


RIO DE JANEIRO - Há pouco, pela Folha, os poetas Augusto de Campos e Ferreira Gullar protagonizaram um tiroteio verbal sobre os rumos da poesia de vanguarda no Brasil. É uma briga que começou em 1954, com um almoço na Spaghettilândia, restaurante popular da Cinelândia, tendo como pivô Oswald de Andrade, de quem Gullar era entusiasta, e, Augusto, mais ou menos. Desde então, os dois nunca mais se falaram — ponha 60 anos nisto —, exceto nas escaramuças que, anos depois, dariam origem ao concretismo e ao neoconcretismo, os movimentos rivais que eles simbolizaram.

Fã de ambos, meti-me na briga sugerindo que a Spaghettilândia, de pé até hoje, afixasse uma placa em seu salão, imortalizando o fato histórico. Augusto não gostou e, numa carta, fuzilou o colunista. Bem, não apenas reforço a sugestão como vou propor à Spaghettilândia que batize seus pratos com os nomes dos principais poetas das duas correntes.

O filé de peixe, por exemplo, poderia se chamar "à Eugen Gomringer", em homenagem ao suíço-boliviano que, em 1953, antes de todo mundo, já fazia poesia concreta na Europa, só que com o nome de "constelações". Gomringer, 91 anos, vive na Alemanha e gostará de saber que alguém ainda se lembra dele por aqui.

O bacalhau à portuguesa eu dedicaria a Cassiano Ricardo, o "representante do espírito vivo de 1922", segundo os próprios concretistas. A lasanha ficaria com Edgard Braga; o caneloni, com Pedro Xisto; e o talharim, com Ronaldo Azeredo, esquecidos hoje, mas, todos, concretistas de primeira hora. E meu amigo José Lino Grünewald adoraria batizar o frango à carioca.

Para Gullar, a feijoada. Para o querido Reynaldo Jardim, o espetinho misto. E deixo a Augusto a tarefa de escolher os pratos que levarão o seu nome e os de Haroldo de Campos e Décio Pignatari. Ele não gosta de ser contrariado.

Crônica publicada no jornal "Folha de São Paulo" em 24/09/2016.

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