domingo, 22 de janeiro de 2017
Fernando Pessoa, "Abertura do itinerário"
Estes livros de versos juntos são
Uns Grandes Armazéns da Sensação
Onde o leitor casual encontrará
O que convenha a qualquer impressão,
Ou, talvez, o que nunca convirá.
E, assim, terá, com muito de profundo,
E alguma coisa de incompreensível,
Um razoável espectáculo do mundo,
Em várias formas de ilusão e nível,
E sentirá, se não for insensível.
Mas, verdadeiramente, quem lê versos
Lê só a própria alma, e eu não tenho
A certeza de que entre os meus diversos
Modos, consiga não ser estranho
Ao casual leitor que perco ou ganho.
Ninguém vê senão a alma em que ermo habita
Ninguém conhece senão quem nasceu.
Nos Armazéns que ofereço requisita
Quem quiser o que quer, e não medita
Que, apesar de ser tudo, eu sou só eu.
Sim, isolados, e não só no espaço,
Entre alma e alma não há nenhum laço,
E o que dizemos nunca é compreendido.
Reste ao menos em mim um som de passo
De viandante nem visto nem ouvido.
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