quarta-feira, 29 de julho de 2009

António Gedeão



"Poema do Alegre Desespero"

Compreende-se que lá para o ano três mil e tal
ninguém se lembre de certo Fernão barbudo
que plantava couves em Oliveira do Hospital,

ou da minha virtuosa tia-avó Maria das Dores
que tirou um retrato toda vestida de veludo
sentada num canapé junto de um vaso com flores.

Compreende-se.

E até mesmo que já ninguém se lembre que houve três
                                                                             [impérios no Egipto
(o Alto Império, o Médio Império e o Baixo Império)
com muitos faraós, todos a caminharem de lado
                                                                       [e a fazerem tudo de perfil,
e o Estrabão, o Artaxerpes, e o Xenofonte, e o Heraclito,
e o desfiladeiro das Termópilas, e a mulher do Péricles,
                                                                   [e a retirada dos dez mil,
e os reis de barbas encaracoladas que eram senhores
                                                                   [de muitas terras,
que conquistavam o Lácio e perdiam o Épiro, e conquistavam
                                                                   [o Épiro e perdiam o Lácio,

e passavam a vida inteira a fazer guerras,
e quando batiam com o pé no chão faziam tremer todo o palácio,
e o resto tudo por aí fora,
e a Guerra dos Cem Anos,
e a Invencível Armada,
e as campanhas de Napoleão,
e a bomba de hidrogénio,
e os poemas de António Gedeão.

Compreende-se.

Mais império menos império,
mais faraó menos faraó,
será tudo um vastíssimo cemitério,
cacos, cinzas e pó.

Compreende-se.
Lá para o ano três mil e tal.

E o nosso sofrimento para que serviu afinal?

Nenhum comentário:

Postar um comentário