terça-feira, 3 de dezembro de 2013

António Gomes Leal, "O visionário ou som e cor III".


                                       O vermelho deve ser como
                                       o som duma trombeta...
                                       Um cego

Alucina-me a Cor! – A Rosa é como a Lira,
A Lira pelo tempo há muito engrinaldada,
E é já velha a união, a núpcia sagrada,
Entre a cor que nos prende e a nota que suspira.

Se a terra, às vezes, brota a flor que não inspira,
A teatral camélia, a branca enfastiada,
Muitas vezes, no ar, perpassa a nota alada
Como a perdida cor dalguma flor que expira...

Há plantas ideais dum cântico divino,
Irmãs do oboé, gémeas do violino,
Há gemidos no azul, gritos no carmesim...

A magnólia é uma harpa etérea e perfumada.
E o cacto, a larga flor, vermelha, ensanguentada,
- Tem notícias marciais, soa como um clarim.


António Gomes Leal (1848-1921) nasceu e morreu em Lisboa. Durante a juventude tornou-se poeta e levou vida boêmia. Com a morte da mãe em 1910, converteu-se ao catolicismo a pedido dela, mas entregou-se ao alcoolismo e à mendicância. Vivia da caridade alheia, dormindo ao relento em bancos de jardim. No final da vida, um grupo de escritores lançou um apelo público para que o Estado Português lhe atribuísse uma pensão, o que foi conseguido, apesar de irrisória.

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