segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Wislawa Szymborska, "Entre muitos"


Sou quem sou.
Inconcebível acaso
como todos os acasos.

Fossem outros 
os meus antepassados
e de outro ninho
eu voaria
ou de outro tronco
coberto de escamas eu rastejaria.

No guarda-roupa da natureza 
há trajes de sobra.
O traje de aranha, da gaivota, do rato do campo.
Cada um cai como uma luva
e é usado sem reclamar
até se gastar.

Eu também não tive escolha
mas não me queixo.
Poderia ter sido alguém
muito menos individual.
Alguém do formigueiro, do cardume, zunindo no enxame,
uma fatia de paisagem fustigada pelo vento.

Alguém muito menos feliz,
criado para uso da pele,
para a mesa da festa,
algo que nada debaixo da lente.

Uma árvore presa à terra
da qual se aproxima o fogo.

Uma palha esmagada
pela marcha de incontáveis eventos.

Um sujeito com uma negra sina
que para os outros se ilumina.

E se eu despertasse nas pessoas o medo
ou só aversão
ou só pena?

Se eu não tivesse nascido
na tribo adequada
e diante de mim se fechassem os caminhos?

A sorte até agora
me tem sido favorável.

Poderia não me ser dada
a lembrança de bons momentos.

Poderia me ser tirada
a propensão para comparações.

Poderia ser eu mesma - mas sem o espanto,
e isso significaria
alguém totalmente diferente.

Tradução de Regina Przybycien.

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