Capítulo 429
Em todos
os lugares da vida, em todas as situações e convivências, eu fui sempre, para
todos, um intruso. Pelo menos, fui sempre um estranho. No meio de parentes,
como no de conhecidos, fui sempre sentido como alguém de fora. Não digo que o
fui, uma só vez sequer, de caso pensado. Mas fui-o sempre por uma atitude
espontânea da média dos temperamentos alheios.
Fui
sempre, em toda a parte e por todos, tratado com simpatia. A pouquíssimos,
creio, terá tão pouca gente erguido a voz, ou franzido a testa, ou falado alto
ou de terça. Mas a simpatia, com que sempre me trataram, foi sempre isenta de
afeição. Para os mais naturalmente íntimos fui sempre um hóspede, que, por
hóspede, é bem tratado, mas sempre com a atenção devida ao estranho, e a falta
de afeição merecida pelo intruso.
Não duvido
que tudo isto, da atitude dos outros, derive principalmente de qualquer obscura
causa intrínseca ao meu próprio temperamento. Sou porventura de uma frieza
comunicativa, que involuntariamente obriga os outros a reflectirem o meu modo
de pouco sentir.
Travo, por
índole, rapidamente conhecimentos. Tardam-me pouco as simpatias dos outros. Mas
as afeições nunca chegam. Dedicações nunca as conheci. Amarem, foi coisa que
sempre me pareceu impossível, como um estranho tratar-me por tu. Não sei se
sofra com isto, se o aceite como um destino indiferente, em que não há nem que
sofrer nem que aceitar.
Desejei
sempre agradar. Doeu-me sempre que me fossem indiferentes. Órfão da Fortuna,
tenho, como todos os órfãos, a necessidade de ser o objecto da afeição de
alguém. Passei sempre fome da realização dessa necessidade. Tanto me adaptei a
essa fome inevitável que, por vezes, nem sei se sinto a necessidade de comer.
Com isto
ou sem isto a vida dói-me.
Os outros
têm quem se lhes dedique. Eu nunca tive quem sequer pensasse em se me dedicar.
Servem os outros: a mim tratam-me bem. Reconheço
em mim a capacidade de provocar respeito, mas não afeição. Infelizmente não
tenho feito nada com que justifique a si próprio esse respeito começado quem o
sinta; de modo que nunca chegam a respeitar-me deveras. Julgo às vezes que gozo
sofrer. Mas na verdade eu preferiria outra coisa.
Não tenho
qualidades de Chefe, nem de sequaz. Nem sequer as tenho de satisfeito, que são
as que valem quando essas outras faltem.
Outros,
menos inteligentes que eu, são mais fortes.
Talham
melhor a sua vida entre gente; administram mais habilmente a sua inteligência.
Tenho todas as qualidades para influir, menos a arte de o fazer, ou a vontade,
mesmo, de o desejar.
Se um dia
amasse, não seria amado.
Basta eu
querer uma coisa para ela morrer. O meu destino, porém, não tem a força de ser
mortal para qualquer coisa. Tem a fraqueza de ser mortal nas coisas para mim.
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