O pior que existe no suicídio
por limpo que seja, ou de tiro;
ou o suicídio por barbitúricos,
em que a dormir se cruza o muro;
pior que o incômodo resíduo
que se há de tratar como um vivo,
que há de lavar, barbear, pentear,
para a viagem que empreenderá;
o pior que há nele é o palavrório
que enreda o caixão e o velório
na oral, tropical, floração
que saliva a nossa nação.
Na verdade, onde mais o medo
é falador, é nos enterros.
No enterro, falam mesmo os mudos,
e se de suicida, falam duplo.
Ninguém deixa a mínima brecha
para a morte-Rilke, a da Igreja
e de outros que fazem da Porta
uma celebração deleitosa.
O padre sabe: não há fresta
onde a transcendência ele meta
no falatório, mato fechado
que nem pode abrir-se a machado
(Enquanto isso, pensa? o cadáver:
maçada! Não pude evaporar-me;
enfim: não se vende em balcão,
ainda, o suicidar-se de avião).
sábado, 17 de dezembro de 2011
João Cabral de Melo Neto, "Sujam o suicídio"
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