A Ivo Barroso
A morte é um cavalo seco
que pasta sobre o penedo;
ninguém o doma ou esporeia
nem à boca lhe põe freios.
Á noite, sob o nevoeiro,
é que flameja o seu reino:
não o da luz que viu Goethe
ao cerrar os olhos ermos,
mas o da espessa cegueira,
o dos ossos no carneiro
e o da carne atada às teias,
sem alma que se lhe veja.
Ouço-lhe os cascos de seda:
são tão fluídos quanto a areia
que escorre nas ampulhetas
ou o sangue no oco das veias.
A morte escoiceia a esmo,
sem arreios ou ginetes;
não tem começo nem termo:
é abrupta, estúpida e vesga,
mas te embala desde o berço,
quando a vida ainda sem peso,
nada mais é que um bosquejo
que a mão do acaso tateia.
Na treva lhe fulge o pelo
e as crinas se lhe incendeiam:
em cada esquina ela espreita
quem há de tanger ao leito,
e ninguém lhe escapa ao cepo:
tiranos, mártires, reis
ou até antigos deuses,
por mais soberbos que sejam.
Embora só traga o preto
em seu corpo duro e estreito,
com ângulos que semelham
os de um áspero esqueleto,
a morte é estrito desejo:
deita-se lânguida e bêbada
à lenta espera daquele
que a leve, sôfrego, ao êxtase.
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