sábado, 2 de novembro de 2013
David Mourão Ferreira, "Herança"
Ouvir, ouvir de noite uma ambulância,
E desejar que estejas a morrer;
Fechar a porta à minha própria infância;
Amigos, conhecidos, nem os ver;
Quebrar nas mãos o aro da esperança;
Mas de mim para mim depois dizer:
"Calma! Quem nada espera tudo alcança...";
E guardar o revolver; e beber;
A sós, o vinho que na taça baste
A recompor-se, viva na distância;
Isto foi, como herança, o que deixaste.
E ainda o mais que não te quis dizer;
Ouvir, ouvir de noite uma ambulância,
E desejar ser eu quem vai morrer...
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