quarta-feira, 12 de outubro de 2011
Jorge Luis Borges
"A fama"
Ter visto Buenos Aires crescer, crescer e declinar.
Lembrar o pátio de terra e a parreira, o átrio e o algibe.
Ter herdado o inglês, ter interrogado o saxão.
Professar o amor ao alemão e a nostalgia do latim.
Ter conversado em Palermo com um velho assassino.
Agradecer o xadrez e o jasmim, os tigres e o hexâmetro.
Ler Macedonio Fernández com a voz que foi sua.
Conhecer as ilustres incertezas que são a metafísica.
Ter honrado espadas e sensatamente desejar a paz.
Não ser cobiçoso de ilhas.
Não ter saído de minha biblioteca.
Ser Alonso Quijano sem me atrver a ser Dom Quixote.
Ter ensinado o que não sei a quem saberá mais do que eu.
Agradecer os dons da lua e de Paul Verlaine.
Ter urdido um ou outro decassílabo.
Ter voltado a contar velhas histórias.
Ter disposto no dialeto do nosso tempo cinco ou seis metáforas.
Ter eludido subornos.
Ser cidadão de Genebra, de Montevidéu, de Austim e
[(como todos os homens) de Roma.
Ser devoto de Conrad.
Ser essa coisa que ninguém pode definir: argentino.
Ser cego.
Nenhuma dessas coisas é estranha e seu conjunto me depara
[uma fama que não consigo compreender.
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