Lulu Bergantim veio de longe, fez
dois discursos, explicou por que não atravessou o Rubicon, coisa que ninguém
entendeu, expediu dois socos na Tomada da Bastilha, o que também ninguém
entendeu, entrou na política e foi eleito na ponta dos votos de Curralzinho
Novo. No dia da posse, depois dos dobrados da Banda Carlos Gomes e dos versos
atirados no rosto de Lulu Bergantim pela professora Andrelina Tupinambá, o novo
prefeito de Curralzinho sacou do paletó na vista de todo mundo, arregaçou as
mangas e disse:
- Já falaram, já comeram biscoitinhos de
araruta e licor de jenipapo. Agora é trabalhar!
E sem mais aquela, atravessou a
sala da posse, ganhou a porta e caiu de enxada nos matos que infestavam a Rua
do Cais. O povo, de boca aberta, não lembrava em cem anos de ter acontecido um
prefeito desse porte. Cajuca Viana, presidente da Câmara de Vereadores, para
não ficar por baixo, pegou também no instrumento e foi concorrer com Lulu
Bergantim nos trabalhos de limpeza. Com pouco mais, toda a cidade de
Curralzinho estava no pau da enxada. Era um enxadar de possessos! Até a
professora Andrelina Tupinambá, de óculos, entrou no serviço de faxina. E
assim, de limpeza em limpeza, as ruas de Curralzinho ficaram novinhas em folha,
saltando na ponta das pedras. E uma tarde, de brocha na mão, Lulu caiu em
trabalho de caiação. Era assobiando "O teu-cabelo-não-nega, mulata,
porque-és-mulata-na-cor" que o ilustre sujeito público comandava as
brochas de sua jurisdição. Lambuzada de cal, Curralzinho pulava nos sapatos,
branquinha mais que asa de anjo. E de melhoria em melhoria, a cidade foi
andando na frente dos safanões de Lulu Bergantim. Às vezes, na sacada do
casarão da prefeitura, Lulu ameaçava:
- Ou vai ou racha!
E uma noite, trepado no coreto da
Praça das Acácias, gritou:
- Agora a gente vai fazer serviço
de tatu!
O povo todo, uma picareta só,
começou a esburacar ruas e becos de modo a deixar passar encanamento de água. Em
um quarto de ano Curralzinho já gozava, como dizia cheio de vírgulas e crases o
Sentinela Municipal do "salutar benefício do chamado precioso
líquido". Por força de uma proposta de Cazuza Militão, dentista prático e
grão-mestre da Loja Maçônica José Bonifácio, fizeram correr o pires da
subscrição de modo a montar Lulu Bergantim em forma de estátua, na Praça das
Acácias. E andava o bronze no meio do trabalho de fundição, quando Lulu
Bergantim, de repente, resolveu deixar o ofício de prefeito. Correu todo mundo
com pedidos e apelações. O promotor público Belinho Santos fez discurso. E
discurso fez, com a faixa de provedor-mor da Santa Casa no peito, o Major
Penelão de Aguiar. E Lulu firme:
- Não abro mão! Vou embora para
Ponte Nova. Já remeti telegrama avisativo de minha chegada.
Em verdade Lulu Bergantim não foi
por conta própria. Vieram buscar Lulu em viagem especial, uma vez que era
fugido do Hospício Santa Isabel de Inhangapi de Lavras. Na despedida de Lulu
Bergantim pingava tristeza dos olhos e dos telhados de Curralzinho Novo. E ao
dobrar a última rua da cidade, estendeu o braço e afirmou:
- Por essas e por outras é que não
atravessei o Rubicon!
Lulu foi embora embarcado em nunca-mais. Sua estátua
ficou no melhor pedestal da Praça das Acácias. Lulu em mangas de camisa, de
enxada na mão. Para sempre, Lulu Bergantim!
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